A questão do papel do Estado é um divisor de águas e tende a estar no centro da disputa presidencial. As duas candidaturas populistas estão presas a modelos passados que perderam sentido e não respondem às necessidades do século 21. O Brasil de hoje é inteiramente diferente do que era nos tempos do varguismo ou do estatismo do presidente militar Ernesto Geisel. Mas a direita e a esquerda estatistas pensam ainda ser possível alavancar o desenvolvimento a partir do intervencionismo estatal. Não por coincidência, Lula e Bolsonaro são pródigos em elogios à era Geisel.
O Estado que aí está gerou o capitalismo de laços, levou o país à maior crise econômica de sua história. Mais: perpetuou iniquidades e privilégios de minorias incrustadas em seu aparato. Nele coabitam o patrimonialismo e o corporativismo, duas forças atrasadas e refratárias às mudanças.
São elas os principais entraves às reformas necessárias e à modernização da economia. Vide as resistências à reforma da Previdência e às privatizações da Eletrobrás e dos aeroportos, emblemáticas do espúrio casamento entre corporações de trabalhadores e patronais com o clientelismo político.
Na outra ponta, o Estado oferta serviços públicos de baixíssima qualidade, mesmo sendo financiado por uma carga tributária altíssima. A sociedade carrega um fardo pesadíssimo para sustentar um aparato ineficiente, burocrático, perdulário e frequentemente corrupto.
Esse Estado não serve ao Brasil. Não alcançaremos o crescimento sustentado, não seremos um país socialmente mais justo, não lograremos a equidade enquanto ele não for desconstruído.
O grande desafio do campo democrático alternativo aos dois extremos autoritários e regressivos é oferecer aos brasileiros um outro projeto de Estado, capaz de responder aos desafios de um mundo em intensa transformação e de colocar o país no patamar das sociedades modernas e desenvolvidas.
A pedra de toque é a redefinição de seu papel, no sentido da transformação de um Estado produtor e financiador da produção, em um Estado regulador e provedor de serviços públicos de qualidade.
Se no passado se fazia necessária a forte presença estatal na economia — como aconteceu nos anos 1950/60 — hoje isso não se justifica mais. Em uma economia globalizada e de forte inovação tecnológica o motor do desenvolvimento são os investimentos privados, internos e externos. A inflexão se impõe também porque o Estado não tem pujança para alavancar os investimentos e ao mesmo tempo cumprir com suas obrigações sociais.
Ao Estado moderno compete desenhar o marco regulatório para a atração do capital privado, definir as normas de proteção dos consumidores e do meio ambiente, dar segurança jurídica aos investidores, assegurar a concorrência.
O esforço, portanto, deve ir na direção da abertura da economia brasileira e de realizar um ousado programa de privatização para que possa redirecionar seus recursos e energia para outras prioridades.
O Estado não é um fim em si mesmo, ou não deveria ser. Seu principal papel é o de ser o meio para a promoção da equidade, da igualdade de oportunidades.
Liberado de sua função de produtor e financiador da produção, suas prioridades seriam fornecer aos brasileiros educação de qualidade, saúde e segurança, entre outros serviços.
No caso da educação, o foco deve ser o ensino básico. As nações que conquistaram a equidade e o crescimento sustentado trilharam esse caminho. Não será diferente com o Brasil.
Na era da Quarta Revolução Industrial, da robotização e da inteligência artificial os países que não ingressarem no restrito clube da inovação tecnológica serão meros coadjuvantes no cenário internacional. Nessa área, o atraso do Brasil é gritante, motivo mais do que suficiente para revolucionar também a concepção do Estado.
Sem um novo pacto federativo, sem as reformas estruturantes – entre as quais a previdenciária -, sem o enxugamento do aparato estatal, o Brasil continuará refém de políticos parasitários e fisiológicos, de capitalistas de compadrio, de corporações sindicais e de servidores que não abrem mão de privilégios.
Refundar o Estado significa livrar o país destes grilhões e acabar com o patrimonialismo e o corporativismo.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 15/11/2017.