Tenho me sentido quase solitário. Sei que pertenço a um grupo absolutamente minoritário de brasileiros – o grupo que não acha que tirar Michel Temer da Presidência é a tarefa, a necessidade mais urgente do país.
É um grupo tão absolutamente minoritário quanto aquele que, no segundo governo Lula e no início do primeiro governo Dilma, era absolutamente descrente dos rumos tomados então pelo Palácio do Planalto.
As coisas acontecem com tamanha rapidez no Brasil que aquele tempo parece agora pertencer a um passado distante. Não é, não, de forma alguma: foi outro dia mesmo.
Os lulo-petistas riam de nós: diziam que éramos os únicos 4% que não estavam felizes com o país.
Em outubro de 2010, escrevi aqui neste site:
Dizem que somos 4%. Eu, pessoalmente, até gosto disso. É bom o gostinho de ser a ínfima minoria que não concorda com a banda dos contentes. É bom ser da turma de Bertold Brecht, de Marlene Dietrich – e não dos 90 e sei lá quantos por cento que aplaudiam Hitler. É bom ser da turma de Sakharov, de Soljenitsin, de Pasternak, e não dos 90 e sei quantos por cento que aplaudiam o stalinismo.
O mundo gira, a Lusitana roda, e então no domingo 13 de março de 2016 aconteceram as maiores manifestações populares de toda a História do Brasil, com mais de 4 milhões de pessoas na rua pedindo a saída de Dilma Rousseff e do PT. Três meses depois, no dia 12 de maio, Dilma saiu.
Em outubro de 2010 eu pertencia aos míseros, ridículos 4% que não tinham aderido ao coro dos contentes; em março de 2016 eu era um dos 4 milhões – surfava no meio da gigantesca onda majoritária que queria fora Dilma, fora PT.
O mundo gira, a Lusitana roda, e voltei a ser minoria: desde o dia 17 de maio os jornais, as redes sociais, parece que a imensa maior parte dos brasileiros se esqueceu de quem enfiou o Brasil na maior crise econômica, política e moral de sua História.
De repente, num átimo, como num milagre, a imensa maioria dos brasileiros se esqueceu de Lula, de Dirceu, de Dilma, de Delúbio, de Vaccari, de Palocci, de Mantega, de Sérgio Gabrielli, de Luciano Coutinho.
A partir da noite da sexta passada, 9 de junho, os grandes inimigos do país são Gilmar, Tarcísio, Admar e Napoleão, os ministros do TSE que não votaram pela cassação do inimigo número 1, Michel Temer.
O julgamento do TSE ainda nem tinha acabado quando, pouco antes das 19 horas da sexta, postei no Facebook:
Nos últimos 13 anos tivemos um populista salafrário, chefe de esquema criminoso, que institucionalizou a corrupção e aparelhou todo o Estado, e uma analfabeta funcional irresponsável que fez falir o país.
Um presidente que recebe um bandido em casa e tem com ele conversa não republicana, mas abandona todas as políticas equivocadas do lulo-petismo, vai recolocando as diretrizes da economia na direção correta e toca as reformas – ah, pra mim tá no lucro.
Sabia que estava me expondo a levar cacete de muita gente, inclusive de amigos queridos. Sabia que estava expressando algo que talvez uns 99% dos brasileiros acham absurdo, imoral, abominável ou qualquer outro adjetivo nesse sentido.
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Naquele texto lá de 2010, eu disse achar bom o gostinho de ser a ínfima minoria que não concordava com a banda dos contentes.
Não sinto gostinho bom algum por ser minoria ínfima de novo. Não pertencer à banda dos descontentes com isso que está aí no país não é gostoso, não é agradável, não é confortável.
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.”
Não, não é nada agradável estar nessa minoria hoje.
Por isso mesmo, me senti confortado, reanimado, por três textos publicados nos últimos dias, escritos por jornalistas que admiro e respeito – Eliane Cantanhêde, Vera Magalhães e Carlos Marchi.
São textos que vão na contramão da atual maré pessimista, nihilista, denunciatória, que insiste em tentar nos fazer crer que todos os políticos são iguais, farinha do mesmo saco – essa tese que seguramente está fazendo a festa de Lula e sua camarilha.
Ao contrário, são textos que indicam que o Brasil é maior do que a crise política atual.
Vou reproduzir aqui partes dos três.
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Carlos Marchi publicou este texto no Facebook no sábado, 10/6:
Vejo pessoas decretando o fim da esperança. Vejo pessoas descrendo do futuro.
Não é o caso. Até se tornar uma democracia verdadeira, os países passam por etapas de purificação.
Nós estamos construindo nosso futuro.
É preciso pelo menos entrar num inferno pra sair doutro. Os infernos políticos são algo como uma catarse permanente e dialética.
Parece que os desastres se sucedem, não parece? Mas não é assim. São os maus exemplos que nos advertem.
No futuro, os políticos olharão para o que aconteceu agora e dirão: “Não dá mais pra fazer a sujeira o que nós fizemos antes.” Se não serão mais honestos, pelo menos serão mais contidos e/ou cuidadosos.
A construção de um país é lenta e gradual. Os erros nacionais não são consertados numa decisão, numa penada.
O que aconteceu agora será um alerta vermelho para nós, eleitores, a dizer-nos que o ato de votar tem de ser muito mais consciente do que tem sido até aqui para nós.
De uma forma ou de outra, todos os políticos que reprovamos foram eleitos – POR NÓS. Os ministros do TSE foram indicados pelos políticos que NÓS elegemos.
Portanto, não cabe a eles tomar jeito. Cabe a nós.
Não são eles que devem ser consertados. Somos nós.
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Este é um trecho do artigo de Vera Magalhães deste domingo, 11/6, no Estadão:
“A tal conversa com Joesley Batista é um batom na cueca capaz de apear um presidente num País já tão alquebrado por uma crise contínua de dois anos? Só a partir do que se ouve ali não, eu mesma já escrevi e falei inúmeras vezes sobre isso.
Mas o que o julgamento do TSE mostrou, com excesso de provas, é que a chapa da qual Temer fez parte já chegou ao Planalto pelo descaminho da corrupção e do abuso. O vice se beneficiou dessa circunstância, assim como as investigações da Lava Jato comprovam que seu grupo político no PMDB se lambuzou do mesmo melado que o PT.
Não haverá estabilidade política até 2018. A sorte do Brasil é que, a despeito da sucessão de governantes descompromissados com isso, ele atingiu a duras penas outra estabilidade: a institucional.
Tal qual aquele filho de pais irresponsáveis que vai se criando meio sozinho, meio autodidata, o País zelou pela democracia e pelo fortalecimento de seus marcos garantidores enquanto os mais velhos tratavam de tentar implodi-la. Que nas eleições se interditem os incapazes.”
Leia a íntegra do artigo no Estadão.
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Este é um trecho do artigo de Eliane Cantanhêde também publicado no Estadão deste domingo:
O bom dessa história é que, na semana de um julgamento histórico, em que estava em jogo o mandato do presidente, um ano depois do impeachment da primeira mulher eleita presidente do Brasil, o País real funcionou normalmente e até surpreendeu o silêncio das ruas. Com exceções esporádicas, nem se ouviu “Fora, Temer”. Se estridência houve, foi nas redes sociais.
Enquanto sete ministros, com retórica empolada e capas antiquadas, decidiam não só o futuro de um presidente e da história brasileira, o País seguia seu rumo, cumpria sua rotina. Os bancos abriram, as empresas funcionaram, os trabalhadores trabalharam, as igrejas realizaram seus cultos e os estudantes estudaram (exceto no Rio, onde o problema é outro…). Até os ladrões comuns continuaram roubando normalmente.
O País real anda sozinho, horrorizado com mensalões e petrolões, comemorando as prisões de figurões de bancos, empreiteiras, partidos e governos que desde sempre se sentiram acima do bem, do mal e das leis. Brasília está em chamas, com Executivo no alvo da Lava Jato, o Judiciário devassado pelas transmissões ao vivo e o Congresso com as vísceras expostas, mas o País segue em frente, enquanto os gestores da economia trabalham arduamente para recuperar confiança, investimentos e empregos.
Leia a íntegra do artigo no Estadão.
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Esses trechos me deram ânimo, de fato. Me tiraram a sensação de estar quase solitário.
11/6/2017