Nas mãos da França

Sessenta anos após o Tratado de Roma – embrião da União Européia, com um mercado de 500 milhões de pessoas que uniu rivais históricos e construiu a paz entre os países membros -,  joga-se na França o destino do bloco.

Abalada pela vitória do Brexit na Inglaterra, a atual configuração geopolítica do velho continente dificilmente se sustentará de pé na hipótese de uma vitória da ultradireitista Marine Le Pen.

O primeiro turno da eleição francesa será em 23 de abril e entre as bandeiras de Marine está a saída da França do bloco, por meio de um referendo – o Frexit.

Os temores de a França se afogar no arrastão populista que varreu a América e a Europa, se arrefeceram com a derrota na Holanda do candidato da ultradireita Geert Wilders para o conservador e pró Europa Mark Rutte.

Mesmo assim o perigo existe e a França, também se movimenta do centro para a direita.  A alternativa factível à candidata da Frente Nacional é outro outsider, o social-liberal Emmanuel Macron. É o candidato mais alinhado com a União Europeia.

Ex-ministro da Fazenda do governo François Hollande, Macron roubou a cena de um segundo turno que se anunciava entre a ultradireitista Marine e o direita tradicional de François Fillon, candidato dos Republicanos.

As pesquisas desta terça-feira, dia 28, apontam empate técnico de Le Pen e Macron no primeiro turno e folgada vantagem do social-liberal no segundo. Mas face o número de indecisos, a prudência é a melhor conselheira na análise das tendências.

A polarização Le Pen-Macron é a maior evidência da crise dos partidos tradicionais.

Desde o advento da Quinta República, quando os franceses substituíram o parlamentarismo pelo semipresidencialismo, a disputa ficou sempre entre socialistas e republicanos, que se alternaram no poder.

A exceção foi em 2002. Na época, o ultrarradical Jean Marie Le Pen – pai de Marine – foi massacrado pelo republicano Jacques Chirac, no segundo turno.

A implosão do bipartidarismo francês tem como pano de fundo fatores idênticos aos que impulsionaram a vitória de Donald Trump e o crescimento da ultradireita em quase toda a Europa. Os republicanos acompanharam esse movimento. Seu candidato, François Fillon, girou mais ainda para a direita, na tentativa, inútil, de atrair o eleitorado que se deslocou para Marine Le Pen.

No outro extremo, a esquerda francesa, como toda a esquerda europeia, vive sua diáspora.

A crise da socialdemocracia vem de longe. Decorre, basicamente, de ela não ter encontrado fórmulas de financiamento do Estado de Bem-Estar, sendo obrigada a, como governo, a efetivar cortes sociais.

Isso explica, em grande medida, porque o presidente Hollande desistiu de disputar a reeleição e porque seu candidato às prévias do Partido Socialista foi fragorosamente derrotado.

Como na Alemanha – onde o candidato do Partido Social Democrata, Martin Schul anunciou que vai rever os cortes sociais da agenda 2010 do ex-chanceler Gerhard Schröder (SPD) – o Partido Socialista faz uma inflexão à esquerda. Seu candidato, Benoit Hamon, adotou um programa mais voltado para demarcar terreno, com vistas a constituir uma esquerda alternativa.

A esquerda está balcanizada.

Hamon sofre a concorrência da candidatura de Jean-Luc Mélenchon, apoiada pelo Parti de Gauche e pelo Partido Comunista Francês e não é torpedeado no interior do seu partido.

A conta-gotas cresce a adesão de políticos socialistas à campanha de Emanuel Macron. O Partido Socialista se vê diante do dilema de ser oposição ao futuro governo ou seguir a cultura da esquerda europeia de ser governo, ainda que pela terceira via do social-liberalismo. Ao final, pode ser o grande derrotado das eleições, como o foi o Partido Trabalhista da Holanda, que perdeu cadeiras no Parlamento para a direita e para a Esquerda Verde.

No universo oposto Marine Le Pen assume a postura de uma “ultradireita light”. Reciclou seu discurso para se diferenciar de ativistas antissemitas, homofóbicos ou nostálgicos da colaboração francesa com a Alemanha nazista. E também de seu pai, até hoje marcado pela frase “a morte de judeus em câmaras de gás na Segunda Guerra Mundial foi apenas um detalhe”.

Mas é maquiagem pura. O racismo, a anti-imigração, o protecionismo e as xenofobias estão presentes em suas propostas.

A radicalização dos extremos beneficia Macron. Os olhos da Europa e do mundo voltam-se para ele, na esperança de que as trevas não se imponham no berço do iluminismo e de valores como a liberdade, a igualdade, a fraternidade.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 29/3/2017. 

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