Nesta semana houve uma má notícia para todos os que não torcem para que tudo dê errado no Brasil: a saída de José Serra do Ministério das Relações Exteriores, por motivos de saúde. Fará falta. Um dos homens públicos mais preparados deste país, fez belo trabalho à frente do Itamaraty nestes nove e meses e pouco de governo Temer, devolvendo a política externa à nação, depois de 13 anos e tanto em que ela foi usurpada pelo partido que ocupava a Presidência da República.
Pior ainda: o quadro de emprego ainda não dá sinais de que está melhorando. O que é natural – o nível de emprego é sempre o último fator a melhorar ao fim de uma recessão -, mas é também trágico, e desanimador.
Mas continuaram a surgir boas notícias na área econômica. Nada bombástico, nada absolutamente extraordinário. Talvez a afirmação feita na terça-feira, 21/2, pelo ministro da Fazenda Henrique Meirelles – “A mensagem importante é que a recessão já terminou” – seja mais retórica, mais esperançosa, wishfull thinking, do que o reflexo de uma realidade já claramente palpável.
No entanto, o fato é que as boas notícias continuaram a surgir. Depois da maior crise econômica da História, provocada pelos desatinos dos governos petistas, o Brasil vem dando sinais de que o pior já passou.
Eis algumas dessas notícias dos últimos dias:
– 1 –
Os juros básicos da economia brasileiras caíram pela quarta vez seguida, agora para 12,25%. A decisão do Copom, Conselho de Política Monetária do Banco Central, foi unânime pelo corte de 0,75 ponto percentual; para explicar e justificar a decisão, o Copom citou os sinais de a inflação vem sendo controlada e de que está havendo uma retomada gradual da atividade econômica.
– 2 –
O IPCA-15 teve uma aceleração para 0,54% em fevereiro, ante 0,31% de janeiro, segundo o IBGE divulgou na quarta, 22/2. Mesmo assim, o resultado ainda foi o mais baixo para um mês de fevereiro desde 2012. A taxa acumulada em 12 meses recuou de 5,94% em janeiro para 5,02% em fevereiro.
– 3 –
A entrada de investimentos estrangeiros no Brasil bateu recorde em janeiro. Segundo o Banco Central anunciou na sexta-feira passada, 18/2, o Brasil recebeu em janeiro US$ 11,5 bilhões, o dobro do que entrou em janeiro de 2016. Foi o maior volume já recebido em meses de janeiro desde que o BC começou a registrar esses dados, há 22 anos. Nos últimos 12 meses, o Brasil recebeu US$ 85 bilhões, o equivalente a 4,66% do PIB. Esse foi o melhor resultado para um período de 12 meses desde junho de 2001, quando os investimentos representaram 4,79% de uma economia menor que a atual.
– 4 –
A Bolsa de Valores de São Paulo é uma das que mais subiram no mundo nos últimos meses. Reportagem de Álvaro Campos e Altamiro Silva Júnior no Estadão de quinta passada, 16/2, diz: “A expectativa de recuperação da economia brasileira, em meio à queda da inflação e dos juros e do avanço do ajuste fiscal, após quase três anos de forte recessão, estimula os investidores, sobretudo os estrangeiros, a aumentar a exposição aos ativos domésticos e minimizar riscos que ainda permeiam o cenário.”
Em dólares, mostra a reportagem, a Bovespa teve alta de cerca de 121% em um ano, muito acima de bolsas dos mercados dos países mais ricos do mundo, como Estados Unidos e Alemanha.
– 5 –
O governo reduziu em cerca de 50%, em média, a exigência de conteúdo local para contratação de equipamentos pela indústria de petróleo na exploração de novas áreas. A medida não tem apoio unânime: para a entidade que reúne os fabricantes de máquinas e equipamentos, a Abimaq, essa é uma política que “exporta empregos”. No entanto, a medida permitirá um grande aumento no investimento da Petrobrás e outras empresas da área de petróleo e gás. A entidade que representa as empresas da área, o IBP, afirmou que “as medidas vão colaborar para detravar investimentos, gerar empregos e estimular maior competição da 14ª rodada de licitações dos blocos”,
(Para compreender como a medida tomada agora é boa, bastaria lembrar que a exigência de alto índice de conteúdo local era uma norma considerada imutável durante o desgoverno Dilma Rousseff. Editorial de O Globo de sábado, 25/2, transcrito mais abaixo, explica didaticamente as vantagens da decisão do governo.)
– 6 –
As contas públicas tiveram em janeiro o melhor resultado desde 2013. O governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) fechou janeiro com superávit primário (economia feita para o pagamento da dívida pública) de R$ 18,9 bilhões.
– 7 –
A arrecadação federal começou o ano em alta. Segundo a Receita informou na quarta, 22/2, houve um aumento real (já descontada a inflação) de 0,79% no total arrecadado em impostos e contribuições federais em janeiro em relação ao mesmo mês de 2016.
(Que o Estado arrecade mais dinheiro dos cidadãos e das empresas é uma má notícia para cada um de nós. Mas, como indicador econômico, é um bom sinal: indica que a atividade econômica parou de cair e até começa a dar mostras de aumento.)
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Aqui vão dois textos publicados nos últimos dias que demonstram – sem pitada alguma de otimismo exagerado, ou esperançoso demais – que as coisas estão melhorando. E o editorial do Globo defendendo a diminuição da exigência de conteúdo local para contratação de equipamentos pela indústria de petróleo.
Os fatos positivos
Por Míriam Leitão, O Globo, 24/2/2017.
Quinhentos bilhões de reais da renda agrícola estão entrando na economia neste começo de ano como resultado da safra recorde que o Brasil está colhendo no verão. Essa é uma das boas notícias no país, que está ainda dominado pelos indicadores ruins desta crise prolongada. Ontem, o IBGE divulgou que 24 milhões de brasileiros estão desempregados ou subempregados.
O economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, diz que a conjuntura é difícil ainda, mas há algumas notícias que atenuam a crise:
— A renda agrícola vai ser superior a R$ 500 bilhões neste período e a maior parte acontece nos primeiros quatro meses do ano, quando a colheita de verão está no auge. Isso é o valor em reais da produção agrícola de todos os segmentos. Esse dinheiro vai para a economia, mas antes foi para a compra de insumos. No meio do desastre do setor automotivo, as vendas de máquinas agrícolas foram uma das poucas boas notícias. Isso vai depois para a indústria de processamento de alimentos, vai para a exportação e se espalha para todos os lados ajudando a demanda em geral.
Assim, José Roberto explicou o impacto generalizado da colheita de uma safra que será 20% maior do que a do ano passado. Para o país, há ainda o benefício da inflação mais baixa:
— Há o efeito positivo na inflação, que estamos vendo e chega ao supermercado. Isso todo mundo percebe. Os alimentos sempre pressionam no início do ano e este ano a queda da inflação está sendo puxada por alimentos. Isso beneficia os mais pobres que gastam uma parte maior do orçamento com comida. O que está acontecendo agora é o oposto do ano passado.
Entrevistei José Roberto Mendonça de Barros na Globonews sobre a situação atual da economia. Ele acha que este ano o país cresce 1% e chega ao fim do ano com uma alta de 2% em relação ao mesmo período do ano passado. Ele calcula que a inflação ficará em 4,3% este ano e que em julho e agosto ela pode ficar abaixo de 4% no acumulado de 12 meses. Para o ano que vem, sua projeção também é de uma inflação nessa faixa de 4%. A vantagem de dois anos de inflação nesse patamar é convergir os dissídios para o patamar de 5%, reduzindo novas pressões de custos:
— E os dissídios vão cair sem que haja queda de salário real, que vai aumentar para os que estão empregados. Essa é uma chance extraordinária de reduzir os juros de forma significativa, para ficar.
José Roberto disse que parte da queda da inflação é decorrente da recessão, mas não apenas isso. Houve, por exemplo, um movimento espontâneo de renegociação de contratos de aluguel entre inquilinos e proprietários que levou a uma queda do valor dos aluguéis e uma redução da indexação.
Ele espera mais três pontos percentuais de queda da taxa de juros. A Selic já caiu dois pontos.
— É uma queda apreciável. Sem forçar, ela pode ir para 8%. Mesmo quem é conservador há de concordar que nessas circunstâncias a taxa de juros pode ficar abaixo da taxa de equilíbrio para tirar o país da recessão. Isso não tem nada a ver com a experiência recente, triste para nós, de o governo forçar a queda da Selic. A taxa de juros pode cair porque a inflação caiu, mesmo.
O lado mais difícil da crise continua sendo o desemprego. José Roberto acha que o desemprego vai aumentar no primeiro trimestre antes de cair. E há outro complicador para a conjuntura econômica que é a situação das empresas em dificuldades:
— Há muita empresa zumbi na praça, empresa que na prática já quebrou e que está empurrando para um pouco mais adiante. Haverá casos sem solução, de companhias que não têm capacidade nem de entrar em recuperação judicial.
Há fatos positivos na economia brasileira, mesmo num contexto que ainda é de crise. E algumas dessas empresas zumbis são empreiteiras atingidas pela Lava-Jato. Nem todas estão na mesma situação. O economista acha que a retomada do emprego terá que ser pelos investimentos em infraestrutura e na indústria da construção. Para isso, e em meio às dificuldades de muitas empreiteiras, ele acha inevitável ter regras mais flexíveis na regulação das concessões e das parcerias público-privadas para a participação de empresas estrangeiras. Há fatos positivos, mas ainda há um longo caminho até a retomada.
(Com Alvaro Gribel)
Contas externas e reativação
Editorial, Estadão, 20/2/2017.
Há sinais animadores nas contas externas do País, prenúncios de uma fase de reativação econômica, depois de mais de dois anos de recessão. Em janeiro, tanto as exportações como as importações superaram as de um ano antes. As vendas totalizaram US$ 14,86 bilhões e foram 33,46% maiores que as de janeiro do ano passado. As compras somaram US$ 12,36 bilhões, com crescimento de 17,89% na comparação anual. O aumento do valor importado indica um mercado interno mais movimentado e com expectativa de maiores gastos de consumidores e de empresários. Também cresceram os gastos com viagens, um dos itens comprimidos no ano passado. O superávit comercial, de US$ 2,50 bilhões, foi 287% maior que o de janeiro de 2016. Mas, com o aumento do déficit nas contas de serviços e rendas, o buraco nas transações correntes passou em um ano de US$ 4,82 bilhões para US$ 5,08 bilhões, segundo os números publicados pelo Banco Central (BC).
Esse resultado negativo foi muito facilmente coberto com investimentos diretos de US$ 11,53 bilhões, um surpreendente recorde para o mês na série histórica. A atração de investimento direto, uma aplicação geralmente de longo prazo, é importante por mais de uma razão. Esse tipo de operação beneficia diretamente o setor empresarial, pode contribuir para o fortalecimento da capacidade produtiva e é um claro sinal de confiança nas perspectivas da economia nacional.
No ano passado entraram US$ 78 bilhões de investimento direto líquido, um número especialmente notável num ambiente de contração econômica e de crise política, e para 2017 a previsão do BC é de ingresso de US$ 75 bilhões. Esse valor será muito mais que suficiente, de novo, para cobrir o déficit esperado nas transações correntes.
A economia brasileira sairá do atoleiro e recomeçará a crescer neste ano, segundo o BC, e essa expectativa continua inscrita em sua projeção das contas externas para 2017. Com os primeiros passos da recuperação, deverá inverter-se o cenário observado nos últimos dois anos.
Durante a recessão, a contração dos negócios, com desemprego em alta, consumo em baixa e investimento produtivo em queda livre, provocou um ajuste doloroso no balanço de pagamentos.
O saldo comercial aumentou em 2016, mas isso ocorreu porque as importações caíram mais que as exportações. O déficit em conta corrente diminuiu e chegou a US$ 23,53 bilhões, como reflexo do superávit no comércio de bens e da menor saída de dólares pelas contas de serviços e de rendas.
Com maior atividade no mercado interno, em 2017, aumentará a demanda de bens estrangeiros e o gasto com importações chegará a US$ 151 bilhões, valor 8,32% maior que o do ano passado. A receita de exportações crescerá 5,75% e atingirá US$ 195 bilhões. Com as importações crescendo mais que as exportações, o saldo comercial diminuirá de US$ 45,03 bilhões para US$ 44 bilhões. Levando-se em conta o crescimento esperado de outros gastos, o déficit em transações correntes deverá aumentar de US$ 23,63 bilhões para US$ 28 bilhões e será coberto com grande folga, mais uma vez, pelo investimento direto, pelas projeções do BC.
A previsão de superávit comercial menor e déficit maior em transações correntes está associada, claramente, à expectativa de maior atividade econômica e de expansão da demanda interna. Essa expansão deverá ocorrer, de acordo com os planos oficiais, mesmo com o esforço de contenção dos gastos orçamentários do governo federal. A maior demanda interna deverá resultar do maior consumo das famílias, da reativação da atividade industrial, da reanimação da construção civil e, espera-se, de programas de investimento de capital privado em grandes obras de infraestrutura.
Apesar de alguma piora inicial das contas externas, o Brasil atravessou a recessão sem crise de balanço de pagamentos, com reservas cambiais acima de US$ 370 bilhões. Os fatos parecem ter decidido a discussão sobre os custos e vantagens de manter esse volume de reservas. A resposta, tudo indica, foi claramente positiva.
É saudável reduzir reserva de mercado no petróleo
Editorial, O Globo, 25/2/2016
O aparelhamento da Petrobras, executado tão logo o presidente Lula assumiu, em janeiro de 2003, produziu, como documentado pelas investigações do Ministério Público e PF, confirmadas até agora na Justiça, o mais amplo esquema de corrupção já instalado numa estatal.
Mais do que isso, houve danos a toda a indústria do petróleo no país. Porque, ao lado do petrolão, desbaratado pela Lava-Jato, processo ainda em curso, foi aplicado, a partir da estatal, um projeto autárquico, inspirado no dirigismo do governo Geisel, na ditadura militar, de uso do enorme poder de compra da empresa para substituir importações de equipamentos usados na atividade de exploração e produção de petróleo — sondas, navios etc. A qualquer preço.
Também como parte deste projeto, adotou-se o sistema de partilha para as promissoras camadas do pré-sal, e não o modelo de concessão, mais atraente para os parceiros privados. As concessões já haviam provado a eficácia ao patrocinar o grande salto na produção de hidrocarbonetos a partir da aceleração das descobertas na Bacia de Campos.
Mas era conveniente o sistema de partilha, para aumentar o poder do Estado na contratação de grupos privados para explorar o pré-sal. Estabeleceu-se até um anacrônico e inviável monopólio da Petrobras na operação nesta área, assim como a regra, também estatista, de uma participação compulsória de 30% da empresa em todo consórcio no pré-sal.
Ela sequer teria condições financeiras de assumir tantos compromissos. Também porque, numa outra ponta do lulopetismo, estava sendo saqueada por uma associação de políticos principalmente do PT, PMDB e PP com empreiteiras.
O afastamento de Dilma, por impeachment, abriu espaço para a revisão de regras anacrônicas como estas e a redução de exigências irreais de índices de nacionalização de equipamentos. O que acaba de ser feito. Rompe-se uma anacrônica reserva de mercado criada para fornecedores nacionais. Não que seja equivocado, em si, destinar encomendas de equipamentos para o mercado interno, por meio de políticas industriais específicas que usem como alavanca grandes projetos nacionais de investimento. No caso, exploração de óleo e gás. Isso já acontece nas concessões, fora do pré-sal.
Mas o radicalismo estabeleceu índices de nacionalização muito elevados, contra os interesses da própria Petrobras. Pois a empresa começou a enfrentar estouro de prazos e de custos nas encomendas, fatal para qualquer projeto de investimento. Não bastasse o efeito da corrupção no caixa da estatal, fornecedores não devidamente qualificados ampliaram as dificuldades da empresa na área operacional.
O governo reduziu em 50% a obrigatoriedade de conteúdo nacional nos investimentos em campos de grandes dimensões que serão leiloados a partir deste ano. Houve, ainda, diminuição das multas pelo não cumprimento dos parâmetros de conteúdo nacional. Tenta-se evitar disputas judiciais nessas divergências, algo também positivo.
Outra medida acertada é destinar recursos das multas para um fundo de apoio aos fornecedores nacionais. Seus representantes criticam as mudanças. Era esperado. Melhor, porém, é investir em melhorias na qualidade dos equipamentos nacionais. Proteger o país ou qualquer área da competição com o exterior é decretar a eternização do atraso.
24 e 25/2/2017
Perdemos, mas tá melhorando!
O neoliberalismo vê a competição como a característica que define as relações humanas. Ele define cidadãos como consumidores, cujas escolhas democráticas são melhor exercidas ao comprar e vender, um processo que premia o mérito e pune a ineficiência.
Também sustenta a ideia de que “o mercado” proporciona benefícios que nunca seriam alcançados por meio de planejamento.
Tentativas de limitar a competição são tratadas como inimigas da liberdade. Impostos e regulamentações precisam ser minimizados e serviços públicos, privatizados. A organização do trabalho e a negociação coletiva pelos sindicatos são retratadas como distorções do mercado que impedem a formação de uma hierarquia natural entre vencedores e perdedores.
A desigualdade é transformada em virtude: um prêmio pela utilidade e uma geradora de riqueza, que se espalha para enriquecer a todos.
Esforços para criar uma sociedade mais igualitária são contraproducentes e moralmente corrosivos. O mercado garante que todos tenham aquilo que mereçam.
Internalizamos e reproduzimos as crenças neoliberais.
Os ricos convencem a si mesmos de que adquiriram a riqueza por meio do mérito, ignorando as vantagens — como educação, herança e classe social — que podem ter ajudado a conquistá-la.
Os pobres começam a culpar a si mesmos por suas falhas, mesmo quando podem fazer muito pouco para mudar suas realidades.
Sem contar o desemprego estrutural: se você não tem um emprego, é porque é incapaz. Sem contar os custos impossíveis de moradia: se o cartão de crédito está estourado, você é irresponsável e sem força de vontade. Sem contar que seus filhos não terão mais quadras esportivas na escola: se eles engordarem, a culpa é sua. Em um mundo governado pela competição, aqueles que falham são denominados e autodenominados como perdedores.