Conteúdo local e interesse nacional

Dois artigos – um do presidente da Petrobrás, Pedro Parente, e outro do presidente da Fiesp, Paulo Skaf – jogaram luz sobre o debate da Política de Conteúdo Local (PCL). Não se trata de uma polêmica academicista.

Neste ano estão previstas a 14ª licitação da área do pós-sal e a terceira do pré-sal. A intenção do governo é definir a novas regras da PCL já em fevereiro, para que os próximos leilões se tornem mais atrativos. Eles são necessários para alavancar os investimentos no setor de óleo e gás. E devem estabelecer uma exigência mínima de conteúdo local que precisa estar em conformidade com a capacidade da indústria nacional. A flexibilização das regras no sentido de torná-las menos restritivas – hoje a exigência chega a ser de até 65% de conteúdo nacional – é uma antiga reivindicação das petroleiras, entre elas a Petrobrás, mas encontra resistência de fabricantes de máquinas e equipamentos bem como das centrais sindicais.

Seria um equívoco entender com lentes ideológicas os pontos de vista opostos de Pedro Parente e Paulo Skaf. Adjetivos como “entreguistas” ou “estatistas” são apenas estereótipos, pois há argumentos consistentes em ambos os lados.

A defesa da Política de Conteúdo Local, tal qual foi concebida, se explica em nome da proteção dos empregos e do parque industrial brasileiro de máquinas e equipamentos. Alega-se ainda, também com razão, que a PCL foi adotada por vários países, a começar pelos Estados Unidos e Reino Unido.

Como sempre, o diabo mora nos detalhes. Vejamos o caso do Reino Unido. Em 1974 um memorando de entendimentos estabeleceu o Full and Fair Oportunity (Oportunidade Completa e Justa) cujo objetivo era dar à indústria local total possibilidade de competir de forma justa e ganhar encomendas em bases competitivas.

Paralelamente foi criado um Código de Práticas para monitorar a política de conteúdo local, definindo-se claramente que os projetos não deveriam sofrer atrasos ou ter aumentos de custos a pretexto de permitir a participação das indústrias britânicas. Bem diferente do que ocorre no Brasil.

No nosso caso, “os preços e prazos praticados pela indústria local se tornaram não competitivos e de um modelo que visava incentivar o nascimento de uma indústria competitiva, recaímos no modelo de reserva de mercado que já se havia revelado prejudicial no passado… o que temos hoje, com algumas exceções, são empresas pouco competitivas em preços e em prazo, com a agravante da falta de um sistema de conformidade, para assegurar a qualidade”, diz John M. Albuquerque Forman, em artigo publicado na revista FGV Energia. O abalizado autor fez doutorado na Universidade de Oxford, foi professor da UFRJ, diretor do CNPQ e da Nuclebrás.

São procedentes, portanto, as críticas de Pedro Parente quanto aos custos de uma plataforma produzida no Brasil – pode ter um preço de até 40% superior ao do mercado – e aos atrasos na entrega de encomendas, às vezes de 30 meses.

Na sua defesa apaixonada da PCL, o presidente da Fiesp citou vários dados a serem levados em consideração. Segundo ele, de 2004 a 2014 as indústrias fornecedoras do setor óleo e gás geraram investimentos da ordem de R$ 19 bilhões, 65 mil novos postos de trabalho, R$ 3,4 bilhões em salários adicionais e R$ 5 bi de contribuição ao crescimento do Brasil.

Mas devemos cotejá-los com as possibilidades de ganhos para o país se o governo adotar uma PCL mais flexível, capaz de atrair investidores nos próximos leilões. Segundo estudo da consultoria internacional HIL, o Brasil poderá produzir em 2025 um milhão de barril/dia a mais, nível 30% superior ao cenário previsto se as regras atuais forem mantidas.

Com a inflexão, o setor de óleo e gás geraria 70 mil novos postos de trabalho até 2020 e a arrecadação total de participações em mais de RS 300 bilhões.

O debate acontece no momento em que a Petrobrás se reestrutura, após o período de desatinos do lulo-petismo (que incluem roubalheiras, como mostram as investigações da Lava-Jato). Nestes anos a estatal foi mais um órgão do governo – uma espécie de “agência de desenvolvimento industrial” – e menos uma empresa que deveria perseguir a rentabilidade para remunerar seus sócios.

Livrar o setor de óleo e gás das amarras é, portanto, de interesse nacional. Mas não é sinônimo de jogar fora a água suja da banheira com a criança dentro. A Política de Conteúdo Local pode prestar relevantes serviços ao país, se estiver acompanhada de critérios de competitividade e produtividade.

Fora disso, desaguará em reservas de mercado, terreno fértil para o atraso tecnológico e para a realização de interesses corporativos.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 8/2/2017. 

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