A Colômbia tinha tudo para dar errado. Por mais de quatro décadas esteve encharcada de sangue por uma guerra responsável por 260 mil mortes, 60 mil desaparecidos e mais de sete milhões de desplazados – colombianos forçados a abandonar seus lares. Mas não deu, ao contrário: deu certo.
A Medellín dos tempos do narcotraficante Pablo Escobar deu lugar a uma cidade pacífica, que diminuiu a violência em 83%. A economia colombiana cresce de forma sustentada há anos, e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia definiram em seu congresso desse final de semana que o “marco é a democracia liberal”, diferenciando-se, assim, do bolivarianismo de Chávez-Maduro e do próprio modelo cubano da ditadura de partido único.
Para coroar o processo de paz, a última guerrilha, o Exército de Libertação Nacional, fundado por padres católicos, assinou o cessar fogo com o governo. Foi um ato de homenagem ao Papa Francisco que chega nesta quarta-feira à Colômbia.
Este sucesso vem ao caso para tentar entender como um país que já foi dominado pelo tráfico de drogas (e armas) e teve um terço do seu território controlado por narcoguerrilheiros deu a volta por cima, enquanto o Brasil, com problemas bem menores, patina em todos os campos e anda de lado, quando não para trás, no combate à violência, na economia, na política e nos valores.
A resposta é clara. Com todos seus percalços, a Colômbia teve rumo – a busca da paz e do fim da violência – e uma liderança forte, o presidente Manoel de Los Santos, na condução de um projeto vitorioso. Ao Brasil, faltam essas duas condições: uma direção clara a ser seguida e um condottieri capaz de unir a nação e levar o país ao século vinte e um.
Nem sempre foi assim. No passado tivemos Getúlio Vargas com seu projeto nacional-desenvolvimentista e Juscelino Kubitscheck com seu Plano de Metas, responsável pela modernização e industrialização do país. Mesmo no regime militar, não padecemos de rumo e de liderança. No campo situacionista o “milagre econômico” de Delfim Neto e do general Ernesto Geisel com seu projeto da “distensão lenta, gradual e segura” e um modelo estatista.
E no campo oposicionista lideranças como Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Teotônio Vilela, Franco Montoro, Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, entre outras, uniram o país em torno de uma frente democrática. Eles nos conduziram na travessia para a democracia pela via pactuada, cujo corolário foi a Constituição de 1988.
Com o Plano Real, o Brasil voltou a ter um norte. E a mão forte de FHC no comando de um ousado projeto de estabilização da economia, de reformas e de modernização do Estado. Projeto interrompido no segundo governo Lula, quando o petista prefere surfar nas ondas fáceis do boom das commodities. A tentação populista levou Lula a engavetar as reformas necessárias e negligenciar a tarefa de preparar o Brasil para o ingresso no terceiro milênio.
A falta de rumo assumiu ares de tragédia nos anos Dilma Rousseff, com lideranças alternativas ao populismo irresponsável sendo ceifadas pela Lava-Jato, que atingiu quase todos os partidos. Desde então, dá-se volta em círculos e vive-se a mais grave crise de abstinência de ideias e de líderes.
No campo da esquerda arcaica suas forças sequer fizeram conversão democrática. Estão anos luz atrás até mesmo das Farc colombianas. O farol guia é o modelo Cubano, o chavomadurismo, ou os dois. Suas cabeças pararam no século 19, incapazes que são de entender o capitalismo do século 21 – o do conhecimento -, como apropriadamente os definiu professor emérito de Filosofia, José Arthur Gianotti, em recente entrevista.
A alternativa que apresentam para a mais grave crise da nossa história republicana é o retorno ao populismo do século passado por meio do sebastianismo lulariano. Na linha regressista, sua contraposição é o Bolsonarismo, uma caricatura dos linha-dura da ditadura militar.
De onde se espera é que não sai nada.
O campo democrático encontra-se atomizado, com o governo Michel Temer capturado pelo Centrão, ainda que, aos trancos e barrancos tenha dado passos na agenda reformista.
A força da qual poderia sair alguma luz – o PSDB – encontra-se dilacerada por seu drama hamletiano de ser ou não ser governo. E também por disputas pessoais intransponíveis. As mais recentes assombram os brasileiros pela falta de grandeza. Não desprovido de razão, Gianotti vaticina que, como partido, “o PSDB morreu”.
O centro democrático marcha celeremente a ter quatro ou cinco candidatos a presidente em 2018, dando, assim, chances ao azar. Neste quadro, a ideia generosa de Fernando Henrique Cardoso de uma candidatura agregadora corre sério risco de pregar no deserto.
É possível evitar o apocalipse now de 2018, mas desde que surjam ideias e lideranças capazes de responder à agenda do novo século. Por aí é possível construir uma candidatura viável.
Se isso não acontecer passaremos mais quatro anos sentindo inveja dos colombianos.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 6/9/2017.