Rabo todos temos, mas a cauda que o distingue de qualquer um de nós é um privilégio de Christopher Walken. E, não obstante, se forem a atravessar a rua e ele vier do outro lado, mesmo que Walken venha a dar à cauda, não se iludam. Se ele dá à cauda, o melhor é mesmo não se lhe meterem à frente, que a cauda de Chris não é como a que um cão abana, feliz, a pedir mão no pêlo e festinhas.
Corro o risco de vos induzir em erro. Se um dia o apanharem em Matosinhos ou na serra da Agrela (já o apanhei em Tróia), fique claro que Walken gosta que lhe digam “olá”, um “Hi, Chris”, até um “Hi, honey!”, desde que não haja outras efusões ou intimidades. Dirá, seja que dia for, que é o seu aniversário. Gosta que lhe cantem os “Parabéns a Você”.
A cauda inventou-a o cómico Jay Mohr, num filme que fizeram juntos. Jay trouxe o seu cão ao estúdio e Walken ficou estarrecido por Jay lhe ter cortado a cauda. Disse, com vaga angústia, que queria ter uma. Poderia mexê-la e as pessoas fugiriam, percebendo que ele estava zangado. “Mas dar à cauda é pedir festinhas”, corrigiu-o Jay. “Só se fores tu”, cortou cerce Walken.
Jay ficou a pensar naquilo e, ao fim do dia, veio ter com Walken: “Chris, se te dessem a escolher, querias ter uma cauda ou poder voar?” “Pergunta tola – respondeu –, uma cauda, claro. Para voar meto-me num avião!”
Parece um diálogo bizarro, mas o leitor que sou do velho Budismo Zen, de Allan Watts, deita-se a adivinhar que, se Walken não atingiu já o nirvana, anda lá perto. Mesmo nos mais inopinados filmes de terror que fez, consegue dizer com avassaladora seriedade coisas que fariam rir o impassível Buster Keaton. Mas Walken fala e fica com cara de pau – se for preciso, leva o dedo à boca, ou faz com o lábio inferior um trejeito que segura e não deixa rir o lábio superior.
Bum, bão, pof, pof, barabum! Walken é o mais onomatopaico dos actores. Usa a linguagem, aliás, com uma expressiva rarefacção, soltando palavras solitárias. Diz “pinneaple” ou “stranded” e a palavra fica a vibrar na sala ou na rua, como uma cauda que continuasse a agitar-se depois de o cão ter desaparecido. Estava tudo no Nick que foi em Deer Hunter e, na cena que precede a roleta russa final, em que, como o realizador Cimino lhe pediu, para choque de De Niro, lhe cospe na cara. A fúria de De Niro é autêntica, o vazio de Walken total.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.
The Deer Hunter no Brasil é O Franco Atirador.