Vote no vice

Com nomes escondidos em letras pequenas, em alguns casos ilegíveis, os candidatos a vice são quase sempre figuras apagadas nas campanhas. Raros são os eleitores que os conhecem ou se interessam por eles. Em um país onde tantos vices já assumiram a titularidade do cargo o erro é gravíssimo. Maior ainda quando se trata de eleições municipais, já que não são poucos os casos em que as negociações pressupõem o vice ocupar o cargo em definitivo daí a dois anos com a saída do titular para concorrer ao Congresso ou aos governos de Estado.

As chapas na cidade de São Paulo concretizam de forma inequívoca essa prática. Hoje, os 8,8 milhões de eleitores paulistanos estão indo às urnas para votar em candidatos que provavelmente disputarão eleições daqui a 24 meses, deixando a Prefeitura nas mãos de seus vices.

O deputado federal tucano Bruno Covas, vice do líder nas pesquisas, João Doria — postulante inventado pelo governador Geraldo Alckmin, ele também um vice, e que deu certo –, há de ter ambições maiores do que ficar à sombra de um candidato de primeira viagem. Deve se imaginar prefeito em 2018, com Dória saindo para outros voos, e candidato à reeleição em 2020.

A mesma aspiração teria guiado os passos de Andrea Matarazzo (PSD), vice da neopeemedebista Marta Suplicy, que, ainda no PT, tentou ser candidata ao governo do Estado. A probabilidade de postular o cargo estadual novamente é enorme. Vitoriosa ou derrotada agora, sendo ou não aquinhoada com votos que a façam chegar ao segundo turno.

Gabriel Chalita (PDT), vice do candidato à reeleição Fernando Haddad, que já postulou quase tudo cada vez por um partido diferente, é outro que apostou fichas na vitória do petista pensando em sentar-se na cadeira de prefeito já em 2018. A probabilidade baixíssima de vitória talvez o afaste de vez da política, empurrando-o para a seara que domina: a escrita em ritmo industrial de novos livros.

Esse tipo de acordo com vices não é novidade, mas sempre pega o eleitor de surpresa. Em 2006, o então prefeito José Serra (PSDB), eleito dois anos antes, deixou a Prefeitura de São Paulo para Gilberto Kassab (ex-DEM e fundador do PSD), que completou o mandato do tucano. E se reelegeu.

Exemplos como esses se espalham por todo o país. Em Belo Horizonte, o Eduardo Azeredo (PSDB) foi parar na Prefeitura por ser vice de Pimenta da Veiga. Em Goiânia, o PT chegou pela terceira vez à administração municipal com a renúncia de Iris Resende (PMDB), dando lugar a Paulo Garcia, que, dois anos depois, foi reeleito. O mesmo ocorreu em Porto Alegre. Em 2010, o prefeito José Fogaça (PMDB) abandonou o cargo para concorrer ao governo do Estado deixando o vice José Fortunati (PDT), que cumpre o seu segundo mandato.

Ou seja: não há dúvida quanto ao protagonismo do vice, ainda que nas campanhas os titulares os deixem por detrás das cortinas.

Nos últimos 30 anos, três vices, José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer, viraram presidentes da República. Fora Sarney, vice da última eleição indireta, que tinha Tancredo Neves na cabeça da chapa, os outros dois assumiram pós-impeachment. De acordo com a Constituição, com a legitimidade que todos os vices têm: a de substituir o titular quando este se ausenta, provisória ou definitivamente.

Ainda que seja regar o que a chuva já molhou, nestes tempos em que a assunção de um vice ao poder chegou a ser taxada de “golpe”, é essencial que o eleitor tenha a consciência de que seu voto também elege o vice. E que esse vice poderá assumir o mandato do prefeito eleito em qualquer tempo: viagens, doença, morte, renúncia, impedimento.

A regra que valeu para Dilma Rousseff-Michel Temer vale para todos. Nela se enquadra o prefeito (e o vice) que cada um dos 144 milhões de eleitores aptos para votar vai escolher neste domingo.

Melhor, portanto, é não esquecer o vice na hora de confirmar o voto no titular.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 2/10/2016. 

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