Steve Rowland já tinha as calças bem puxadas para baixo quando descobriu quem ela era. Steve estava de corpo curvado, a cintura das Levis a passar os joelhos, o rabo graciosa e expectantemente erguido, e soube então quem ela era.
Mas quem era Steve Rowland quando ainda tinha as calças puxadas para cima? Los Angelino e actor, Steve era também sobrinho de Louis B. Mayer, o big boss da MGM. Fosse ou não por isso, saía à rua e levava de braço dado com ele um amável êxito com as mulheres. A carreira de actor é que, como a economia portuguesa hoje, não se deslargava, se assim, desportivamente, se pode dizer.
Ora, Steve tivera, nesse dia de 1957, o desafio da sua vida. Fora convidado para fazer um western. Não sei se a acção do filme se passaria na Caixa Geral de Depósitos, isso já não consigo dizer, mas sei que ia ser a terceira figura, ao lado do heróico inglês Stewart Granger e da ruivíssima e tão elogiadamente simétrica Rhonda Fleming.
Recebera o convite e tinha de ir experimentar o guarda-roupa, as botas de montar, o cinturão com coldres e Colts, um lendário chapéu Stetson. E não é que lhe caiu em cima uma gripalhada, capaz de deitar abaixo Hércules, mesmo um muro de Donald Trump? Steve zarpou para a clínica do médico de família, o Dr. Motchan – Steve não tinha ainda o Obamacare, mas o tio Mayer era de boas contas.
A tosse cavernosa entrou na clínica acompanhada de um nariz fungoso, os olhos a fazerem-se chineses de tanta alergia. Estava lá uma moça caridosa. Estranhamente mal vestida e desalinhada, mas a tirar do regaço abençoados kleenexes que oferecia ao alvoroço das vias nasais de Steve. E mesmo no meio da alergia e do ranhoso estardalhaço, Steve percebeu que ela era imensamente sexy e sentiu que a sua infeliz gripe o impelia para a irradiante, ingénua e até familiar simpatia dela.
Sobrinho de quem era, o médico chamou-o logo. Auscultou-o e decidiu dar-lhe uma injecção de penicilina. E eu volto ao princípio, a esse momento em que Steve já baixou as calças e oferece as róseas nádegas à terapêutica agulha: “Quem é a moça que está na sala de espera?” E o médico espanta-se: “Não viste que era a Marilyn?” Nunca nenhum homem ouviu esse cálido nome e quis vestir tão depressa um par de calças. Correu à sala de espera, mas Marilyn, diz Steve nas memórias, “já tinha desaparecido com o vento”.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.
Na foto do alto, Steve com calças e Natalie Wood aos ombros.