Sandro Vaia por Roberto Godoy e por Pedro Fávaro

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O texto abaixo foi publicado pelo portal do Estadão. Seu autor, Roberto Godoy, trabalhou com Sandro Vaia durante muitos anos e era muito amigo dele.

Mais adiante, reproduzo o texto de outro colega e amigo do Sandro (e meu), Pedro Fávaro Júnior. (Sérgio Vaz)

Jornalista inovador em tempo integral

Por Roberto Godoy

Morreu neste sábado, 2, em São Paulo, aos 72 anos, vítima de falência múltipla dos órgãos, o jornalista Sandro Vaia, ex-diretor de Redação do jornal O Estado de S. Paulo. Ele estava internado no Hospital 9 de Julho havia cerca de três semanas e fora submetido a uma cirurgia gástrica. Deixa a viúva, Vera, a filha, Giuliana, e a neta, Ana Luisa. O enterro será realizado hoje, em Jundiaí.

Sandro Angelo Vaia dirigiu o Estado por seis anos, de 2000 a 2006. Nesse período o jornal recebeu significativos prêmios nacionais e internacionais, entre os quais o disputado Caboré, em 2005, atribuído por um amplo conselho de profissionais de publicidade e comunicação de todo o País.

Na ocasião, em seu estilo econômico de discurso, Sandro atribuiu a premiação “ao fato de o jornal chegar todos os dias aos leitores revigorado e dinâmico – jovem, aos 130 anos”.

O jornalista orgulhava-se da extensa e profunda reforma que implantou no Estado ao longo de 2004, ao lado do então editor-chefe Roberto Gazzi. O resultado, apresentado em outubro daquele ano, foi um produto de desenho elegante e moderno – revitalizado sem prejuízo da sobriedade –, aceito imediatamente pelo mercado anunciante e pelos leitores.

Dono de hábitos muito próprios, Sandro era um leitor voraz. Recebia todas as manhãs em sua sala – um “aquário” na entrada da Redação com uma parede envidraçada – muitos jornais e revistas, nacionais e estrangeiros. Ia lendo cada um com atenção de esmiuçador. Lidos, os exemplares eram jogados para trás da cadeira. No final do dia formavam uma pilha ao redor da mesa.

Obsessivo com a precisão informativa, a qualidade e o estilo de cada texto ou título, irritava-se quando encontrava falhas decorrentes da apuração negligente de uma notícia. O pior, para ele, era o que definia como “edição preguiçosa”, o acabamento final desleixado das matérias. “O leitor merece um afago”, dizia, referindo-se às reportagens narrativas, construídas com recursos literários.

Fora do jornal, cultivava o prazer da literatura, da culinária mediterrânea, de bons vinhos, dos filmes de arte e da música em largo espectro – de árias líricas a cançonetas italianas, passando pelo popular brasileiro e os estilos latinos.

Sandro Vaia era natural de Mantova, na Itália, memória que cultivava por meio de fotos e gravuras afixadas nas paredes de seu gabinete de trabalho e em visitas periódicas. Quando nasceu, seu pai lutava com as tropas de Mussolini na frente da África, na 2ª Guerra Mundial. Antes de vir para o Brasil e radicar-se em Jundiaí, a família Vaia passou pelo Peru e pela Bolívia. Durante os três anos em que morou em La Paz, além de adquirir fluência em espanhol – antes mesmo de dominar o italiano –, também desenvolveu o sentimento que definia como “a paixão primal”: o gosto pelo futebol. “Eu lia jornal, o El Comercio principalmente, e conversava com os jogadores de futebol que se hospedavam o tempo todo no hotel onde morávamos.”

Em 1954, o pai, preparando mais uma mudança, veio a São Paulo para uma reunião com amigos da fábrica Vigorelli, onde trabalharia em seguida. Na volta, levou para o filho leitor “um exemplar de um jornalão de mais de 100 páginas, muitos textos, letras miúdas – era o Estadão, edição de domingo, uma maravilha”, como contou Sandro a um grupo de estudantes de jornalismo, em depoimento de 2009 sobre sua carreira. O menino de 11 anos que era elogiado na escola pela qualidade de suas redações e andava sempre com um livro debaixo do braço descobria sua vocação profissional. E também o clube do qual seria torcedor e que o arrebataria para sempre, a Sociedade Esportiva Palmeiras.

A vida, todavia, conspirava contra. A morte do pai, vítima de um câncer no pulmão pouco mais de seis meses depois da chegada dos Vaia a Jundiaí, levou a grandes mudanças. Sob o comando da mãe, os filhos adolescentes foram levados a trabalhar. Sandro, aos 12 anos, foi parar primeiro em um armazém do bairro e pouco depois em uma agência do banco Moreira Salles. Para melhorar a renda, atendeu à sugestão do amigo Antonio Galdino, militante de esquerda, líder do sindicato dos trabalhadores da indústria têxtil, e passou a escrever uma coluna de assuntos sindicais no Diário de Jundiaí.

Aos poucos o jornalismo foi ocupando mais espaço. Sandro passou a fazer a crítica de cinema e a resenha literária do pequeno matutino. Mais adiante, uma crônica semanal. Por volta de 1963 apurava reportagens, editava as seções e escrevia os editoriais. Veio o golpe militar de 1964 e o repórter de recém completados 20 anos acabou preso. “A cadeia durou só 24 horas, mas foi o suficiente para que o gerente do banco me mandasse embora sem muita explicação. Aí virei jornalista de vez”, relatou.

Em dezembro de 1965, uma carta enviada e logo depois esquecida trouxe Sandro Vaia para a empresa que já editava O Estado de S. Paulo e às segundas-feiras a Edição de Esportes; mantinha a Rádio Eldorado e preparava uma revolução jornalística, o Jornal da Tarde. Sandro soube do projeto e enviou uma carta pedindo a oportunidade de um teste para Marcelino Ritter, editor-chefe do Estado, que a repassou para Mino Carta, o chefe de redação do vespertino em gestação.

Mino encaminhou a correspondência para Ulysses Alves de Souza, coordenador de reportagem. Bastou um convite por telefone. Dois dias depois, sem jamais ter estado em São Paulo, Sandro saía à Rua Major Quedinho para cumprir a primeira pauta. Era o início de uma longa história de 41 anos, com um só intervalo. No Jornal da Tarde ele foi repórter, repórter especial, redator, pauteiro, sub-editor, editor de Geral, Esportes, Variedades, Política e Economia.

Nos anos 80, atraído pelo projeto sedutor de uma nova revista semanal de informação, a Afinal – apresentada pelo dono do empreendimento, o empresário cubano Gustavo Cubas como “uma ideia com fundos ilimitados” –, deixou o Grupo Estado. Voltaria quatro anos depois a convite de Rodrigo Mesquita para cuidar do programa de reorganização da Agência Estado que, já no início da década de 90, faria da AE a mais importante empresa do gênero da América Latina. A respeito da Afinal, limitava-se a dizer que os recursos haviam sido fartos, sim – mas só por um ano.

Desde a sua saída da direção editorial do Estado, há pouco menos de 10 anos, Sandro Vaia dedicou-se às plataformas eletrônicas de mídia com as quais tinha familiaridade a contar da experiência da Agência Estado. Sustentava páginas de sucesso nas redes sociais, fazia análises políticas contundentes, mantinha um olho sarcástico sobre tendências de comportamento e publicava bem- humorados comentários a respeito de futebol.

Sandro escreveu livros de crônicas e participou de coletâneas de artigos. Em 2008 viajou para Cuba com a missão pessoal de traçar um perfil da filóloga Yoani Sánchez, editora de um blog de informação e sobretudo de resistência ao regime ditatorial da ilha de Fidel Castro. “Minhas dúvidas eram as mesmas das pessoas, milhares delas, que no mundo inteiro acompanhavam pela internet as atividades de Yoani e fizeram dela uma das 100 personalidades mais influentes do planeta”. disse. “Como era a vida diária em Havana de uma notória dissidente de um governo de força? Fui lá para saber”, concluiu. Ao final de um mês inteiro na capital cubana, percebendo claros sinais de estar sendo monitorado pela policia política, Sandro Vaia voltou ao Brasil. E logo tratou de escrever uma reportagem para a revista mensal piauí. A Voz da Geração Y, publicada na edição de dezembro, teve enorme repercussão.

Em 2009 lançou A Ilha Roubada -Yoani, a Blogueira que Abalou Cuba e, em 2013, Armênio Guedes – Sereno Guerreiro da Liberdade, ambos pela editora Barcarolla. Dividia o tempo entre a casa em Jundiaí e um apartamento na praia, no Guarujá. Há meses havia retomado o projeto de uma série traçando os perfis de técnicos brasileiros de futebol com projeção internacional. O primeiro da lista talvez fosse Luis Felipe Scolari, o Felipão, ex-técnico da Seleção Brasileira. Antes, escreveria duas reportagens especiais para um jornal italiano a respeito da crise brasileira e o declínio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A homenagem de Pedro Fávaro Júnior

Ele falava pouco. “O prédio tá pegando fogo, Sandro!”. Dava de ombros e seguia o curso do que estava fazendo. Nunca perdia o foco. Já estava entre os fundadores do Jornal da Tarde – ah, que jornal! – e depois de criar o Jornal da Cidade, o Jornal de Segunda, na minha cidade (no tempo que ninguém fazia jornal na segunda-feira) foi um dos sócios do Jundiaí Hoje.

Lembro até hoje de um dos meus grandes sustos com ele: fui cobrir o velório de uma ex-vereadora importante, lá por mil novecentos e oitenta e qualquer coisa, e lá estava Sandro Vaia com seu bloquinho de apontamentos na mesma tarefa do foca aqui – meu ídolo na década de 1970, autor de reportagens no Pontal do Araguaia, que ferveu na guerrilha – considerado um dos melhores repórteres do País já naquele tempo.

Depois, o destino me brindou. Fui subordinado do Sandro na Agência Estado. Como repórter e editor. E ele defendeu a minha cabeça algumas vezes. Um certo prefeito ficou nervoso com uma série de reportagens que fiz para a Agência e o Estadão, sobre superfaturamento em obras de fundo de vale nas regiões de Jundiaí e Campinas. Com essas empreiteiras que estão por aí. Na década de 1990.

Nesse lixo do superfaturamento, já havia empreiteiras dessas que a Lava Jato pegou agora (piada!) e já estavam afundando até o pescoço PT, PMDB e PSDB, com seus prefeitos, vereadores e os malas-pretas da época. Um prefeito ligou pedindo meu pescoço e acabou com o Sandro na linha. Deu em nada. Porque naquele tempo, pra escrever uma linha de denúncia no Grupo Estado você precisava ter dez cópias com firma reconhecida de algo que documentasse sua façanha. Eu tinha. Sempre.

Pouco mais tarde, fiz reportagem sobre a sentença que condenou a Andrade Gutierrez, outra envolvida nas denúncias da Lava Jato, a devolver dinheiro do superfaturamento em obras de asfaltamento feitas em Jundiaí. A sentença arrestava o prédio sede da construtora, em Belo Horizonte.

O editor do jornalão não queria publicar meu texto porque o juiz não tinha falado… Ora, juiz não fala. Eu tinha a sentença que ele escreveu… Não queria publicar, porque a construtora disse que não havia sentença. E eu estava coma sentença.

Sandro intercedeu. A reportagem saiu. A empreiteira pagou uma página para se explicar e na explicação se justificou, sem negar a sentença ou o conteúdo da sentença. Pagou a página. Pagou a sentença. Mas aí, é outra história. O prefeito de Jundiaí, da época da condenação, teve misericórdia da pobre empreiteira e parcelou a dívida do superfaturamento condenado.

Isso pra falar pouco. Ele era oposição ao meu pai prefeito e nunca mudou uma vírgula de uma entrevista. As conversas e debates que presenciei, entre ele e meu pai, foram fantásticos. Dignos de resgate, nesses tempos de tanta baboseira e conversa fiada, sem fundamento e argumentos. Havia diferença de opinião, de viés político, mas a ética e o respeito à diferença sempre venciam.

Há muito para contar. Outras histórias. Mais recentes. De conversas com ele. Sobre o jornalismo, sobre a política, sobre corrupção, sobre literatura. Sobre o tempo que ele andou doente. Conversas telegraficamente deliciosas. Um dia eu continuo a prosa com ele lá onde todos nós nos encontraremos um dia.

Arrivederci caro amico! Grazie mille!

3/4/2016

2 Comentários para “Sandro Vaia por Roberto Godoy e por Pedro Fávaro”

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