Il n’y a pas, il n’y aura jamais de temps futur au verbe aimer. Chaque instant est toute une vie, demain est un autre aujourd’hui.
Não existe, e não existirá jamais, o tempo futuro do verbo amar. Cada instante é toda uma vida, amanhã é um outro ontem.
É o refrão de “Chaque instant est toute une vie”, letra e música de Georges Moustaki, a canção que abre seu disco de 1996, Tout rest à dire, o mesmo que traz a obra-prima “Il faut voyager” e também, como ele era um absoluto apaixonado pela música popular brasileira, uma versão de “Ave Maria do Morro”, de Herivelto Martins.
Tout rest à dire – falta tudo a dizer. Ainda nada foi falado. Assombrosamente belo título de um disco de um homem que já não era um jovenzinho: nascido em 1934, estava portanto com 62 anos quando fez o belo disco em que afirma que é preciso viajar, ir para longe, conhecer outros sotaques, outros sons, outros cheiros, e nega categoricamente a existência do tempo futuro para o verbo amar.
Naquele verso resoluto, Moustaki nega tudo o que Silvio Rodriguez canta em outra canção belíssima, “Te amaré y después”:
Te amaré, te amaré como al mundo
Te amaré aunque tenga final
Te amaré, te amaré en lo profundo
Te amaré como tengo que amar.
Te amaré, te amaré como pueda
Te amaré aunque no sea la paz
Te amaré, te amaré lo que queda
Te amaré cuando acabe de amar
Te amaré, te amaré si estoy muerto
Te amaré al día siguiente además
Te amaré, Te amaré como siento
Te amaré con adiós, con jamás.
Te amaré, Te amaré junto al viento
Te amaré como único sé
Te amaré hasta el fin de los tiempos
Te amaré y después te amaré.
***
Os músicos poetas falam muito, é claro, do tempo, da passagem do tempo – e um nega o outro. Bob Dylan, por exemplo, nega-se a si mesmo, desmente agora o que disse há pouco, porque os poetas (bem ao contrário dos políticos, dos economistas, dos administradores) têm todo o direito de se declararem metamorfoses ambulantes.
Time is a jet plane, it moves too fast, diz Dylan. E logo se desdiz: Times passes slowly when you’re lost in a dream.
O tempo é um avião a jato, move-se depressa demais. O verso está em “You’re a big girl now”, do disco Blood on the Tracks, de 1974. Já o tempo passa devagar quando você está perdido em um sonho é um verso da canção que tem esse nome, “Time passes slowly”, do disco New Morning, de 1970,
Outro cubano, amigo irmão camarada de Silvio Rodriguez, fala do tempo como se ele fosse tão implacável que já necessariamente ficou para trás. O título da canção de Pablo Milanês é um poema em si mesmo: “El tiempo, el implacable, el que pasó”.
El tiempo, el implacable, el que pasó
siempre una huella triste nos dejó,
qué violento cimiento se forjó
llevaremos sus marcas imborrables.
Aferrarse a las cosas detenidas
es ausentarse un poco de la vida.
La vida que es tan corta al parecer
cuando se han hecho cosas sin querer.
En este breve ciclo en que pasamos
cada paso se dá porque se sienta.
Al hacer un recuento ya nos vamos
y la vida pasó sin darnos cuenta.
Cada paso anterior deja una huella
que lejos de borrarse se incorpora
a tu saco tan lleno de recuerdos
que cuando menos se imagina afloran.
Porque el tiempo, el implacable, el que pasó
siempre una huella triste
nos dejó.
***
Paul Simon, que aos 24, 25 anos, parecia tão velho, tão sério, tão sisudo quanto o garoto personagem do Judas, o Obscuro, de Thomas Hardy, se espantava tanto com a passagem do tempo que repetia a palavra nervosamente, como se fosse um riff de guitarra, um toque enérgico de bateria, bem na abertura de “A Hazy Shade of Winter”, do disco Bookends, de 1968.
Time, time, time – see what’s become of me
While I looked around for my possibilities
I was so hard to please
But look around Leaves are brown
And the sky is a hazy shade of winter
Hear the Salvation Army band
Down by the riverside’s
Bound to be a better ride
Than what you’ve got planned
Carry your cup in your hand
And look around you
Leaves are brown, now
And the sky is a hazy shade of winter
Hang on to your hopes, my friend
That’s an easy thing to say
But if your hopes should pass away
Simply pretend That you can build them again
Look around
The grass is high
The fields are ripe
It’s the springtime of my life
Seasons change with the scenery
Weaving time in a tapestry
Won’t you stop and remember me
At any convenient time?
Funny how my memory skips
Looking over manuscripts
Of unpublished rhyme
Drinking my vodka and lime
I look around Leaves are brown
And the sky is a hazy shade of winter
Look around Leaves are brown
There’s a patch of snow on the ground
Look around Leaves are brown
There’s a patch of snow on the ground
***
No mesmo disco, Bookends, Simon & Garfunkel gravaram outra preciosidade saída da cabeça de Paul Simon, que estava então com 25 anos mas parecia ter a experiência de quem viveu 90 –, “Overs“, uma canção tristíssima sobre uma relação que já havia sido boa, mas que tinha sido desgastada pelo tempo:
Why don’t we stop fooling ourselves?
The game is over, over, over
No good times, no bad times
There’s no times at all
Just The New York Times
Sitting on the windowsill
Near the flowers
We might as well be apart
It hardly matters
We sleep separately
And drop a smile passing in the hall
But there’s no laughs left
‘Cause we laughed them all
And we laughed them all
In a very short time
Time
Is tapping on my forehead
Hanging from my mirror
Rattling the teacups
And I wonder
How long can I delay?
We’re just a habit
Like saccharin
And I’m habitually feelin’ kinda blue
But each time I try on
The thought of leaving you
I stop…
I stop and think it over
***
Quando eu era estupidamente jovem, fiz uma tradução dessa letra/poema para uma namorada, e, querendo parecer fodinha, abusadamente traduzi os versos “There’s no times at all, Just The New York Times”, como “não há mais hora algum, só a Última Hora”.
Os jovens são muito metidos, ousados, donos da verdade. Felizmente a juventude é uma doença que o tempo cura. Ou, como dizia Pablo Milanés – ele de novo – el tempo pasa, nos vamos poniendo viejos, na maravilhosa canção “Años”.
El tiempo pasa nos vamos poniendo viejos
Yo el amor no lo reflejo como ayer
En cada conversación
Cada beso cada abrazo
Se impone siempre un pedazo de razón
Vamos viviendo, viendo las horas
Que van pasando las viejas discusiones
Se van perdiendo entre las razones
Porque años atrás tomar tú mano
Robarte un beso
Sin forzar el momento
Hacía parte de una verdad
Porque el tiempo pasa
Nos vamos poniendo viejos
Yo el amor
No lo reflejo como ayer
En cada conversación
Cada beso cada abrazo
Se impone siempre un pedazo de razón
A todo dices que sí
A nada digo que no
Para poder construir
Esta tremenda armonía
Que pone viejo los corazones
Porque el tiempo pasa
Nos vamos poniendo viejos
Yo el amor
No lo reflejo como ayer
En cada conversación
Cada beso cada abrazo
Se impone siempre un pedazo
De temor
***
Fagner fez uma belíssima gravação de “Años”, em dueto com Mercedes Sosa, no disco Traduzir-se, de 1981. Mercedes cantava “ontem” como “ajer”, portenhamente. O cearense falava como se fala na Espanha, “ayer”. Em espanhol, que a rigor é castelhano, a palavra “ontem” pode ser dita como duas palavras diferentes. Nisso, o castelhano é uma língua mais rica que o inglês. Quando gente do mundo inteiro gravou o ontem de Paul McCartney, a pronúncia de Yesterday sempre foi a mesma. Não poderia ter duas versões diferentes. Não existe Yesterday e Jesterday – embora haja niu e nu para dizer new – mas esse é outro problema, que não tem nada a ver com o tema aqui, que é o tempo.
Quando minha filha ainda bem jovenzinha passou umas semanas na terra de Paul McCartney, fazendo um curso de inglês em Cambridge, hospedada, seguindo o esquema definido, no quarto de uma típica família inglesa, sentiu-se solitária, teve homesick, e então compreendeu a importância, o significado do raggae. E caiu a ficha na cabecinha linda dela sobre os mistérios do tempo. Em uma das cartas que me mandou, transcreveu, inteirinha, a letra da “Oração ao Tempo” de Caetano.
És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo, tempo, tempo, tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo, tempo, tempo, tempo
Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Entro num acordo contigo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo, tempo, tempo, tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo, tempo, tempo, tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo, tempo, tempo, tempo
Quando o tempo for propício
Tempo, tempo, tempo, tempo
De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo, tempo, tempo, tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo, tempo, tempo, tempo
O que usaremos pra isso
Fica guardado em sigilo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Apenas contigo e comigo
Tempo, tempo, tempo, tempo
E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Não serei nem terás sido
Tempo, tempo, tempo, tempo
Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Portanto, peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo, tempo, tempo, tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo, tempo, tempo, tempo
É uma absoluta beleza, a canção que está no disco Cinema Transcendental, de 1979. Mas euzinho, coruja absoluto, até porque tenho todo o direito de ser, diria que minha filha tem a cara mais bonita do que a do Senhor Tempo.
E o tempo não toca nisso – a beleza que é minha filha. Minha filha era linda criança, era linda adolescente, é linda jovem mulher, é linda sempre.
***
O conceito “sempre” é algo extremamente complexo no tema tempo, mas não quero mexer com complexidades, neste texto aqui.
Prefiro ir diretamente, salomonicamente, ao Salmo bíblico que diz que cada coisa tem seu tempo.
O comunista Pete Seeger fez a melodia para o texto do Rei Salomão, o filho do pequeno Davi que derrotou o gigante Golias, na canção “Turn! Turn! Turn!”
To everything – turn, turn, turn
There is a season – turn, turn, turn
And a time to every purpose under heaven
A time to be born, a time to die
A time to plant, a time to reap
A time to kill, a time to heal
A time to laugh, a time to weep
To everything – turn, turn, turn
There is a season – turn, turn, turn
And a time to every purpose under heaven
A time to build up, a time to break down
A time to dance, a time to mourn
A time to cast away stones
A time to gather stones together
To everything – turn, turn, turn
There is a season – turn, turn, turn
And a time to every purpose under heaven
A time of love, a time of hate
A time of war, a time of peace
A time you may embrace
A time to refrain from embracing
To everything – turn, turn, turn
There is a season – turn, turn, turn
And a time to every purpose under heaven
A time to gain, a time to lose
A time to rend, a time to sew
A time for love, a time for hate
A time for peace, I swear it’s not too late!
***
Kate Wolf, a mais maravilhosa cantautora de música folk que surgiu depois dos anos 60, fez uma canção lindérrima sobre a passagem do tempo, em que citava a canção do mestre Pete Seeger. “Here in California” é dos anos 80, mas só vim a conhecer nos anos 2000 – o que mostra que o tempo tem mais sutilezas do que pode sonhar nossa vã filosofia.
It’s an old familiar story
An old familiar rhyme
To everything there is a season
To every purpose there’s a time
A time to love and come together
A time we look longs for a name
A time for questions we can’t answer
But we ask them just the same
Here in California
The fruit hangs heavy on the vine
There’s no gold, I thought I’d warn ya
And the hills turn brown in the summertime
There’s no gold, I thought I’d warn ya
***
O tempo passa depressa demais, o tempo passa muito devagar. O tempo escorre em nossas mãos. O tempo, o implacável, o que passou.
Claro, tem a piada bem sacada sobre Einstein e a relatividade do tempo – 60 segundos sentado numa chapa quente parecem mais longos que 60 segundos em que a gente está confortavelmente sentado em um sofá especialmente agradável.
Mas, na música, quem define tudo é Walter Franco, o cara que advertia que a cabeça pode explodir, e que depois se tornou o mais genial autor de mantras neste país maluco.
Walter Franco escreveu o mantra definitivo sobre o tempo:
A 60 minutos por hora, sem pressa nem demora,
a 60 minutos por hora, sem pressa nem demora,
a 60 minutos por hora pela vida afora, venha,
não tenha pressa pra chegar a lugar nenhum.
Maio e junho de 2016
Sérgio Inspiradíssimo como há muito tempo não o lia.
Envelhecemos sim, mas o tempo não cura a juventude que ao contrário da velhice que se esvai, rejuvenesce.
Eu ando cada vez mais espantada com a velocidade do tempo, e como ele, “senhor dos enganos”, como cantou Herbert Vianna, realmente passa. Depois de uma certa idade a ficha começa a cair.
Também acho que castelhano é espanhol, não sei por que algumas pessoas fazem distinção; talvez por causa da pronúncia de algumas palavras.
Acho que “ajer” é mais pronunciado pelos uruguaios que pelos argentinos, que a rigor falam “acher”, “achá”, “cache” etc. Quando estive em Bue pela última vez, com uma prima, uma das nossas diversões era ficar falando palavras com “ll” com a pronúncia portenha (“nóis” se diverte com pouco, hein!?). Ao mesmo tempo, é bem irritante ouvir músicas com essa sonoridade de cha, che, etc. Parecem um disco riscado.
O espanhol de Fagner é tão da Espanha nessa música que ele até pronuncia “razones” com a ponta da língua entre os dentes. hehe
Eles não chegaram a cantar em sincronia, mas quando isso acontece, acho melhor que os cantores combinem uma pronúncia única; fica mais bonito. (Essa música me faz viajar no tempo, nossa!).
Interessante que Fernanda tenha escrito a letra de “Oração ao Tempo” em um das cartas. Quando fui pra Inglaterra (acho que na mesma época que ela, mais uma coincidência), minha melhor amiga de então, me escreveu várias cartas antes de eu ir, e em uma delas tinha a letra dessa música.
Foi um período tão intenso e bom na minha vida, e pelo qual tenho tanto carinho, que não me lembro se cheguei a sentir saudade de casa; provavelmente sim. Mas me senti solitária algumas vezes; a solidão sempre me acompanhou.
De tudo o que foi falado sobre o tempo, fico com a frase de Pablo Milanês: “El tiempo, el implacable, el que pasó”.
Por fim, conheço muito pouco sobre a bíblia, e por esse pouco, considero esse Salmo um dos mais bonitos.
Para quem tiver curiosidade:
“Por otra parte, la palabra castellano se utiliza como sinónimo de lengua española, en especial para marcar una distinción entre las otras lenguas que también se hablan en el territorio español.”
http://definicion.de/castellano/