Vi os Oscars e veio-me à cabeça escrever sobre Norman Mailer. Melhor, lembrei-me da amante dele, Carole.
Mailer morreu em 2007 e nenhuma das adaptações dos seus livros ao cinema ganhou um Oscar, nem o The Naked and the Dead, que Raoul Walsh filmou, e muito menos o Tough Guys Don’t Dance, que Mailer, feito homem dos sete ofícios, escreveu, adaptou e realizou. Carole, a amante, foi, por razões que vão ver, o mais perto que Mailer esteve dos Oscars.
Nem Walsh, nem Mailer podem já adaptar dois genuínos livros, de publicação recente, sobre a personalidade e amores do escritor. Nestes tempos tão policiados, também não dariam filmes para Oscars. Um, A Ticket to the Circus, é da sua mulher, Norris Mailer. O outro, Loving Mailer, é de Carole Mallory, a amante de uma apaixonada relação de 9 anos. Coincidem em vários pontos, relatando as lendárias antipatias do escritor, a raiva que tinha a certos advérbios e, por razões menos gramaticais, a toda a forma de contracepção.
Mailer não era um enfronhado que quisesse a escrita só para si e a verdade é que as duas mulheres lhe agradecem a forma como as estimulou a escrever. Era um mentor, dizem. E contam também a animada escandaleira que era o sexo com ele. Carole lembra-se de ter caído das nuvens (ou ter trepado por elas) quando ele lhe disse, na primeira noite: “Tira-me essas cuequinhas, quero saborear-te a alma.”
As duas mulheres suavizam a ideia de que Mailer tenha sido um tipo violento, e Norris até confessa que ela, numa discussão, lhe acertou um valente murro no queixo. Tiveram, as duas, outras aventuras amorosas, Norris com Bill Clinton, antes de Mailer a conhecer, Carole (na foto) com uma estimável lista de Oscarizados, incluindo Robert De Niro, Clint Eastwood e Warren Beatty.
A verdadeira chave da paixão por Mailer, confessam Norris e Carole, foi a mesma. Norris fala do peito peludo dele, que lhe servia de almofada, mas sobretudo do “splendid cock”, fonte de muitas das suas alegrias. Para Carole, Mailer tinha uma figura parecida com o Humpty Dumpty, quase ridículo portanto, mas com um trunfo apreciável: “Se o pénis dele não fosse a coisa maravilhosa que era, tê-lo-ia deixado.”
Nenhuma o deixou o que, não sendo embora uma homenagem ao talento de pena, não é certamente a pior homenagem que se pode prestar a um escritor.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.