Conheço muito bem o futuro. E desta vez desminto o título desta coluna: não foi o cinema, foi a vida que me ensinou o futuro.
Bem vi os três Back to the Future, que Robert Zemeckis realizou para, no futuro, não nos esquecermos de Michael J. Fox. E vi a Peggy Sue Got Married de Francis Coppola, a Kathleen Turner no limite de idade e formas para desmaiar como uma adolescente dos anos 50. São filmes em que só recapitulei a matéria que já tinha aprendido e decorado na vida.
Eu já vivi e até me lambuzei em vários futuros. Tinha 15 anos quando chegou o meu primeiro futuro. Era o amor livre, os hippies, o triunfo e a consagração de um corpo que fosse pura natureza, cabelos e barba por cortar, e banhos só no mar, na margem de um rio ou de um lago de três em três meses. Uma década de pílula contraceptiva levava ao colo um amor nómada, promíscuo, irrecusável e impossessivo. Essa vida tribal, a família colectiva e polígama, filhos louros pendurados de morena mama em mama, foi esse, a meio dos anos 60, o meu primeiro e erógeno futuro.
Voltei a ver o futuro aos 20 anos. Era de cravos. Um futuro rubro de independência em Angola, de exaltada sociedade sem classes em Portugal. Espontâneas massas humanas saracoteavam-se, em Lisboa e Luanda, como uma jibóia em agitação existencial na seca picada angolana. O futuro era jovem, mesmo que fosse velho o Comité Central. Era imprestável a propriedade, obrigatória a igualdade, Marx era o definitivo antibiótico social e a utopia uma bactéria que escavava nos melhores cérebros.
Peço aos mais esquecidos que se lembrem do tempo em que o presente era, dedo a dedo, a solitária máquina de escrever. Nem sequer a eléctrica. Lembrem-se do escritório matraqueante, um mar de dactilógrafos. Eu vi chegar o futuro, o pesado e silencioso computador. Eu vi o fax do futuro matar o telex do passado, para ir morrer no futuro radical do e-mail.
Sabe lá esse futuro ubíquo, omnisciente, omnipotente e omni-intrusivo chamado iPhone o que era marcar uma chamada telefónica de Luanda para Lisboa para o dia seguinte, nesse tempo em que pais e filhos em viagem podiam passar um mês sem se falarem. Foi este tão recente futuro que matou a palavra “saudade”?
Conheço bem o futuro. Vi-o liquidar, um a um, os meus mil presentes, enterrando-os no cemitério do passado. Viciei-me! Já só quero mais futuro.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.
As rugas de Sophia e Catherine não fazem justiça ao passado. Marylin faz até hoje um tributo a beleza reproduzida nas telas do IPhone onde a saudade não pode ser
reproduzida.
O cinema e a fotografia resistem a era digital em imagens vintage.