O calcanhar de Temer

Como Aquiles, o presidente Michel Temer também tem seu calcanhar. E não é o grito de “fora Temer” que começou a ecoar nas ruas em manifestações que não devem ser subestimadas. Elas crescerão, mais ou menos, na relação direta da capacidade de o governo se embaralhar nas próprias pernas.

A recíproca também é verdadeira: quanto mais acertar, menores serão os protestos, embora seja previsível que esse caldo venha a ser engrossado pelas naturais resistências de quem terá seus interesses corporativistas e privilégios afetados pelas reformas estruturais. Até aí, tudo bem. Não se faz parto sem dor.

O verdadeiro calcanhar de Temer é a contradição interna de seu partido, onde são nítidas as resistências ou descompromissos de parte de suas lideranças com a agenda das reformas. Até por seu caráter federativo, o PMDB não opera como principal agente da coesão das forças governistas.

Algumas de suas alas são dadas a fazer bondades com o chapéu alheio, à custa da parte de baixo da pirâmide social, que é a grande prejudicada pelas concessões a corporações de grande poder de vociferação, como o setor do judiciário.

O apego ao populismo por parte desses segmentos peemedebistas é o grande obstáculo para a aprovação da emenda constitucional que cria o teto dos gastos públicos, sem a qual é impossível gerar emprego.

Lideranças do PMDB brincam de Tiradentes com o pescoço alheio. Jogam para os partidos da antiga oposição o papel antipático de defensores do ajuste fiscal e de reformas aparentemente impopulares, mas condição sine qua non para a retomada do crescimento de forma sustentada.

Temer não deixa de ter razão ao alegar que uma de suas principais tarefas é fazer uma DR, ou seja, “discutir a relação” com uma base aliada composta por mais de vinte partidos. Sua missão, porém, poderia ser facilitada por sua legenda. Isso só mostra o quanto a reforma política deveria entrar na ordem do dia e ser encampada, para valer, pelo PMDB.

Não se pode exigir dos aliados que tomem bola nas costas, como aconteceu na lambança articulada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, na votação do impeachment, e engulam sapos caladinhos.

Isso mina qualquer relação de confiança entre parceiros, corrói a própria imagem do governo e faz o jogo de quem aposta no caos para retornar com seu projeto rechaçado nas ruas por milhões e milhões de brasileiros.

Tudo irá bem se a economia for bem. Isto não acontecerá, todavia, pela inércia. É fato que há sinais positivos, como uma leve melhoria na confiança dos consumidores. Os investidores internos e externos podem voltar antes do que se imagina se o governo fizer sua parte, se reduzir seus gastos e levar à prática um ousado programa de privatização, com regras claras e garantias de retorno.

O instinto aguerrido dos empresários não será despertado de supetão. Há recursos de fora do Estado dispostos a correr riscos próprios de uma economia de mercado. Os empresários, contudo, estão escaldados quanto a aventuras e a violações de fundamentos da boa economia. Nessa canoa, não entram.

Também há recursos lá fora.  Eles não virão por conta do nosso decantado bom mocismo ou por simpatias ao novo governo; por mais simpático que tenha sido Temer, na sua visita a China.

A economia depende de economia, mas também da política. Ter uma excelente equipe econômica é essencial, mas não basta. É preciso também harmonia na base política do governo, para dar sustentação às mudanças.

Para pôr fim à algaravia, o PMDB tem de afinar os instrumentos. Só assim Michel Temer conseguirá reger a orquestra de forma tal que se ouça a sinfonia.

Proteja o calcanhar, presidente.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 7/9/2016.

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