Nem cor nem gênero

Há pouco mais de uma semana vieram à tona as negociações do então vice e agora presidente em exercício para formar o governo, dando conta de barganhas ao estilo toma-lá-dá-cá, tão usuais na política brasileira. Para abrigar aliados, Michel Temer teria de ceder na ideia de reduzir pastas. Teria de fazer mais do mesmo. Não foi o que se viu: anunciou uma equipe menos obesa, com 23 ministros. Mas, em vez de elogios, tomou uma saraivada de críticas pela ausência de mulheres no primeiro escalão – como se governo fosse questão de gênero — e por fundir os ministérios da Educação e Cultura.

Grossa bobagem. Não de Temer, mas dos que esperneiam.

É deplorável que artistas do porte de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque e outros tantos avalizem a sandice de que sem um ministério próprio o Brasil “fechará as cortinas de um grandioso palco aberto para o mundo”, como, dramaticamente, afirmam na carta aberta enviada a Temer.

Na missiva, dizem que a economia a ser feita com a fusão é pífia – como se não fosse obrigatório poupar cada tostão – e que o setor merece, por sua importância, excepcionalidade. Ao fazê-lo, diminuem o valor da cultura, igualando-se aos que reivindicam privilégios. Não se diferem em nada daqueles políticos condenáveis que, acima de tudo, querem manter regalias para si ou para o segmento que representam.

Triste país este em que seus artistas creem que cultura depende de ter ou não um Ministério.

Acusado de machista, de manter em casa uma linda primeira-dama “recatada e do lar”, Temer cometeu o pecado de não incluir uma mulher no primeiro escalão. Até desejou levar a deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP), mas acabou extinguindo a pasta pensada para ela.

Foi execrado nas redes sociais e pelos movimentos de mulheres que hierarquizam o gênero antes da competência. E que têm como ícone a presidente afastada Dilma Rousseff, que adora atribuir parte de seus problemas a uma ilusória discriminação sexista.

Sem demora, Dilma aproveitou-se de sua condição de mulher para espinafrar Temer. Na entrevista à imprensa internacional, repetiu a ladainha da ilegitimidade do novo governo e lamentou a ausência de mulheres e negros no time que passou a comandar o país.

É claro que não contou aos jornalistas que o seu governo também não tinha um único negro, mesmo quando ostentava 39 ministérios. Algo que não tem importância alguma, não fosse o fato de ela reclamar da pele de quem a sucede sem olhar o próprio umbigo.

Ter ou não negros, amarelos, católicos, judeus ou evangélicos nada garante. As exigências sabidamente são outras.

Lula teve Benedita da Silva, mulher, negra e evangélica. Durou pouco mais de um ano. Foi afastada depois de ser flagrada usando dinheiro público para custeio pessoal em um evento de sua crença, na Argentina. E teve homens brancos que acabaram atrás das grades, condenados pelo mensalão.

Teve oito ministros em dívida com a Justiça, mesmo número de ministros investigados de Temer, muito aquém dos 21 enrolados do grupo de Dilma, uma equipe que figura como a pior que já se viu.

Além da presidente, o governo Dilma também tinha mulheres. E isso não se refletiu em êxito. E sua derrocada veio pela incompetência gerencial, inabilidade política e soberba, não pelo fato de ela ser mulher. O país sabe disso e ela finge não saber.

Quem insiste na representação por gênero, cor ou credo, o faz por ignorância, desonestidade intelectual ou má-fé. Ou por tudo isso.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 15/5/2016. 

7 Comentários para “Nem cor nem gênero”

  1. Será que no Brasil não exista uma, uma apenas que possa ser ministra em uma das 29 pastas?
    E olha que não precisa ser bonita.
    Nos quadros políticos do PSDB existe algum negro ou mesmo negra com competência para exercer um ministério?
    Nem mesmo uma das invejosas?
    Aqui entre nós as mulheres foram desprestigiadas. Algumas, grandes mulheres, preferiram a sombra dos maridos.

  2. Na política o gênero mulher está em baixa. Será que neste país as mulheres ficaram resignadas, acomodadas, submissas?
    Após 5 anos passei a compreender porque a palavra presidente só se aplica na forma masculina, não flexiona em gênero.
    Restou a mulher a arte da traição? Curiosamente a palavra TRAMA se escreve com as letras de MARTA.

  3. “Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida”.
    (Simone de Beauvoir – 1908 — 1986)

  4. Miltinho, mesmo discordando de sua usual postura política neste espaço, admiro muitas de suas ponderações e de sua autonomia de pensamento, algo pouco frequente na esquerda e na direita. Vc faz perguntas, questiona, pondera; isto é tão bom qto raro.

  5. Depois de assaltarem o Brasil, depois da destruição que causaram na economia, por que Temer teria que dar ouvidos às críticas vindas de gente tão pouco confiável como os petistas? Deviam estar envergonhados, escondidos debaixo da cama. Melhor, deviam estar sendo punidos por traição ao povo brasileiro.

  6. Que bom ler os textos primorosos de Mary Zaidan! Obrigado, Sérgio, por publicá-los.

  7. PETISTAS E TUCANOS deviam estar envergonhados, escondidos debaixo da cama. Melhor, deviam estar sendo punidos por traição ao povo brasileiro.

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