Na semana em que fez 3 anos de idade, Marina deu mostras de que abandona o abstracionismo e começa a se aventurar no figurativo. E demonstrou que já está pronta para a mágica, maravilhosa experiência de ser cinéfila.
Nesta sexta, 18, desenhou o vovô. Com a cara, a careca. os olhos, o nariz.
A mãe fotografou a obra, mandou pra gente e confessou: “Estou pasma”.
Não soube ainda das reações do pai, artista gráfico da melhor estirpe. Mas seguramente, com toda certeza, terá, como eu disse num post no Facebook em que reproduzi o retrato, cometido severamente o pecado do orgulho.
Marina perpetrou o retrato do avô na lousa que Mary e eu demos para ela de presente na quarta, 16, um dia depois do dia dos 3 anos de idade. É uma lousa dupla face: de um lado, um quadro-negro, a rigor um quadro-verde, onde se pode escrever com giz – mas que também tem o dom de ímã, e portanto é feito para receber as letras e números devidamente magnetizada, com os quais Marina gostou de brincar. Do outro lado, uma lousa branca, onde se pode escrever com aquele tipo de canetinha Pilot, se não me engano – tudo apagável com um apagador com a aparência igualzinha à do que minha primeira professora usava, no Colégio Nossa Senhora do Monte Calvário, em Belo Horizonte, 59 anos atrás.
Começou a se aventurar no figurativismo pouco depois que me despedi dela, ela chorando porque queria ver mais de Frozen: Uma Aventura Congelante.
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A quarta-feria, o primeiro dia do quarto ano de vida dela, o dia em que a avó e o avô levaram para ela a lousa double-face de presente, teve um momento problemático – mas tentarei ser breve ao falar dele. Foi assim: Marina teve um momento de birra, de manha, e o avô, que tem o pavio mais curto que o dela, se encheu o saco e foi-se embora.
(Eu ainda não sabia que, naquela hora exata, o país tomava conhecimento do fascinante diálogo Dilma-Lula que fez strip-tease do quadrilhismo do lulo-petista, aquele diálogo do “eu tô mandando o Messias junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?”)
Generosa com o avô pavio-curto, Marina conversou com os negociadores – o pai, a avó e a Cau – e disse que admitiria pedir desculpas caso o velhinho nervoso voltasse para a casa dela. Diante disso – fazer o quê? -, derrotei meu lado manhoso e retomei as negociações.
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Pazes feitas, na hora de escolher o DVD tradicional – 15, 20 minutos de DVD antes do banho, é o costume, e o costume é um tanto rígido, ainda bem, porque rotina é ótimo componente na educação –, Marina recusou com firmeza a oferta ampla de Peppas, foi até a sua área da estante e, firme, pegou Frozen: – “Quero este aqui porque o vovô e a vovó nunca viram!”
Repetiu o detalhe de que vovô e vovó nunca viram aquele algumas vezes.
O pai admitiu a escolha, é claro – mas ponderou que aquele era um filme muito longo, e que ela poderia ver 20 minutos.
Ela topou.
Aqui é preciso explicar que Marina a-do-ra a Elsa faz tempo. Acho que faz um e meio, ou seja, metade da vida dela, que Marina tem paixão pela figura da Elsa. A boneca Elsa é uma de suas favoritas, ao lado do Elmo, que ela tem desde que nasceu. Quando fez dois anos, o pai desenhou para a festa objetos que lembravam a Elsa e o Elmo. Já pediu para a mãe e a Cau a fantasiarem de Elsa mais de uma vez (como na foto, feita por Carlos Bêla, com a trança de Elsa). Comprei o álbum Frozen: Febre Congelante – o primeiro álbum de figurinhas da vida dela! – e também adorou. Tem paixão pela canção principal, “Let it go”, que volta e meia canta, e já faz muito tempo.
Mas o filme propriamente dito, o longa-metragem de 102 minutos, ela só havia visto antes uma vez, em várias etapas.
E então na quarta-feira vimos os primeiros 20 minutos de Frozen – Mary e eu pela absoluta primeira vez, Marina, pela segunda, em estado da mais profunda concentração.
Não foi nada fácil convencê-la de que os 20 minutos combinados haviam acabado. Nunca foi fácil convencer Marina de que a quarta história da Peppa tinha terminado, e então fim, finito, pronto, acabou, amanhã tem mais.
Tentei argumentar com ela: – “Marina, a gente continua vendo depois de amanhã”.
Avô é de fato um bicho idiota. O que uma criança de três anos, mesmo esperta como a minha neta, entende da expressão “depois de amanhã?”
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Nesta sexta, depois do jantar – e ela estava linda, maravilhosa, deliciosa durante o jantar –, eu propus: – “Marina, e que tal se a gente visse mais um pedaço do Frozen?”
Marina – criatura mais abençoada, mais doce, mais fofa do mundo – arregalou os olhões que herdou da mãe e da avó Suely, e fez uma cara boa como acho que talvez eu faça quando penso em sentar para ver um Woody Allen, um Truffaut, um Hitchcock, um Spielberg, um David Lean, um Jacques Demy, uma Agnès Varda, um Kenneth Brannagh. Uma cara boa como um frequentador da Mostra faz quando imagina o prazer de ver o novíssimo filme do mais chato de todos os jovens diretores de Manila, ou das Filipinas. O prazer macabro de um gay que jamais saiu do armário diante da possibilidade de ver um novo Peter Greenaway. Ou o prazer igualmente macabro de um troglodita à la Bolsonaro em rever um Dirty Harry.
E então nos sentamos, ela e eu, e vimos mais um pedaço de Frozen.
De vez em quando, olhava para ela, do meu ladinho. Tinha uma expressão de atenção total, concentração absoluta – e prazer.
Meu coração quase explode de felicidade.
Acho que minha neta e eu veremos muitos filmes juntos.
18 de março de 2016
Minha esperança fez três anos,PARABÉNS.
Continue chamando VOVÔ para caminhar.
Já falei que gosto das fotos dela séria? Já. Lembro como se fosse ontem da primeira fotinho dela aqui no site, ainda na maternidade. O tempo realmente voa!
Parece que crianças de todas as idades gostam dessa musiquinha chata e grudenta “Let it go”. Haja amor para quem tem que ouvir junto (eu já tive, e olha…).
Que venham muitos filmes com neta e avô juntos!
Quanto ao diálogo dilma-lula, se fosse para transcrevê-lo ipsis litteris, teria que usar Bessias no lugar de Messias, e “mandano” em vez de mandando. #ficaadica
(Me recuso a escrever o nome dessa corja em maiúsculas, nem isso eles merecem).
Marina cinéfila! Isso é sensacional! E o desenho do avô é obra-prima, Picasso ia babar… MH
Jussara, eu também adoro as fotos dela séria.
Maria Helena, a Marina é mesmo uma figurinha carimbada. Ontem, domingo, foi a festa dos três anos dela. Numa hora lá, já quase no fim da festa, mas ainda no meio do tumulto todo, eu falei com ela que no dia seguinte iria lá pra ver com ela mais um pedaço de “Frozen” – e ela arregalou os olhos de felicidade.
Pensei que ela iria se esquecer disso. Estava bastante enrolado hoje, pensei em não ir. Consultei a Cláudia, a babá, e ela me respondeu: “A Marina comentou na hora do almoço que o sr. vinha para vê-la”.
Vimos juntos a terceira parte de “Frozen”. Duro é desligar, dizer que os 20 minutos combinados acabaram.
Um beijo, Maria Helena!
Sérgio
Miltinho, vou transmitir os parabéns a ela, tá? Abração.
Sérgio