Adorável Blumenau

Blumenau é uma cidade em que a religião tem presença forte. São magníficas as igrejas principais – a luterana e a católica -, há diversos outros templos por toda parte e impressiona como são várias as livrarias e lojas dedicadas a temas religiosos. No entanto, Blumenau tem tanto orgulho de si própria e de sua curta mas fascinante história que roça o pecado da soberba.

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A cidade se adora, e os sinais disso são evidentes.

Por exemplo: o grupo fechado Antigamente em Blumenau, no Facebook, é um absoluto sucesso. Criado em 2012 – por uma descendente de alemães, obviamente, Patricia Schwanke –, reúne mais de 26 mil membros, quase exatamente o mesmo número de participantes do grupo aberto Antigamente em Curitiba. E Curitiba, é bom lembrar, tem cerca de 1,5 milhão de moradores a mais que Blumenau (1.864.416 habitantes ante 338.876), e 157 anos a mais de história. A capital paranaense foi fundada em 1693. E a terceira maior cidade de Santa Catarina em número de habitantes, em 1850.

A rigor, falar em “Antigamente em Blumenau” é um certo exagero.

Mas o grupo do Facebook é um sucesso – e, numa das principais galerias da cidade, bem no Centrinho, havia, quando estivemos lá, em julho de 2016, uma bela exposição com fotos ampliadas publicadas no Antigamente em Blumenau. Nada oficial, feito pelo poder público, de jeito nenhum: patrocinado pelo Sindilojas, o sindicato dos lojistas local, e por uma empresa fabricante de esquadrias em PVC, Bellevue. Ficamos boa meia hora olhando as fotos, lendo as legendas, tentando identificar os lugares mostrados ali.

Não muito longe daquela galeria, também no Centrinho da cidade, há um grande estacionamento, cercado por muros que contêm fotos antigas de Blumenau, algumas delas bem parecidas com as que estão no grupo do Facebook e foram selecionadas para a exposição. Só que são ampliações gigantescas, coisa de, sei lá, uns 3 metros de base por 2 metros de altura.

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Tão absolutamente jovem, com seus apenas 166 anos, Blumenau, no entanto, faz questão de mostrar que tem história. Tem, pelo que ficamos sabendo durante estadia bem rápida, quatro grandes museus históricos: o da Família Colonial, o da Cerveja, o de Hábitos e Costumes e o da Hering, uma das mais tradicionais empresas fundadas e/ou situadas hoje na cidade.

Dos quatro, só visitamos o Museu da Família Colonial – uma beleza. Fica, é claro, no Centro Histórico (bem perto do Centro comercial atual), e ocupa um conjunto de três casas antigas muitíssimo bem conservadas. Uma delas é tida como a mais antiga residência ainda existente na região do Vale do Itajaí, e foi habitada por Hermann Wendeburg, secretário particular e guarda-livros do dr. Hermann Bruno Otto Blumenau (1819-1899), o filósofo, administrador e químico farmacêutico alemão que fundou a cidade.

Na segunda das casas morou o comerciante e cônsul da Alemanha em Blumenau, Victor Gaertner, a partir de 1864. E a terceira era a residência de Reinoldo Gaertner, sobrinho-neto do fundador.

Estão reunidas ali, no conjunto de três casas, 6.200 peças – objetos que pertenceram ao fundador, aos colonizadores, às primeiras famílias a ocupar a cidade. Fiquei particularmente encantado com um troço que é assim uma espécie de mãe das máquinas de escrever antigas. Nunca tinha visto aquilo. Como não sou alemão, e portanto não sou organizado, disciplinado, deixei de fotografar a peça, e sequer guardei o nome dela. Horror.

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Atrás do conjunto de três casas há um bosque bastante grande, fascinante – o Parque Horto-Botânico Edith Gaertner. O lugar tem uma mata densa, formada por diversos tipos de árvores, arbustos, plantas – muitos deles levadas para lá e cultivados pelo próprio dr. Blumenau. E dentro desse bosque há assim uma espécie de mini Père-Lachaise só para felinos – o Cemitério de Gatos criado pela mulher que dá o nome ao parque, Edith Gaertner.

Deve ter sido sem dúvida uma figuraça, esse dr. Hermann Bruno Otto Blumenau – assim como deve ter sido uma mulher fascinante essa sua sobrinha-neta Edith Gaertner (1882-1967). Apaixonada por teatro, foi para a Alemanha e cursou em Berlim a Academia de Arte Dramática. No início dos anos 1920, participou de montagens de peças de mestres como Shakespeare, Molière, Goethe e Schiller em diversas cidades européias. A partir da década seguinte, no entanto, passou a ter uma vida de isolamento na sua casa e no bosque iniciado pelo tio-avô. Viveu entre plantas, livros e gatos – que, ao final da vida, mereciam cortejo fúnebre e sepulturas grandiosas, imponentes.

Foi ela que, sem herdeiros, doou toda a propriedade à Prefeitura de Blumenau, mediante a garantia de que o lugar permaneceria exatamente como estava quando ela vivia. O conjunto passou então para a Fundação Cultural de Blumenau, que mantém e administra o museu e o horto.

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Me estendi sobre o Museu da Família Colonial. Minha intenção era realçar como Blumenau trata bem sua história, sua herança histórica, como se orgulha delas.

É uma cidade que de fato merece ter orgulho de si mesma. Tem diversos motivos para isso.

Só para citar um detalhinho: sabe aquelas pontes cobertas, fechadas, com teto? Aquelas que, por serem muito raras, atraem a atenção do fotógrafo da National Geographic Magazine Robert Kincaid, que viaja até o Condado de Madison, no distante Iowa, e lá conhece a bela Francesca Johnson, em As Pontes de Madison (1995), de Clint Eastwood, com ele e Meryl Streep?

Blumenau tem uma.

Passamos por ela três vezes.

O ótimo folheto “Roteiro Histórico de Blumenau”, feito pela Secretaria de Turismo da Prefeitura, distribuído em todo lugar, traz 24 atrações da cidade. A primeira delas é a Ponte Aldo Pereira de Andrade, uma bela ponte pênsil bem próxima do Centrinho. (Caminhamos por ela. É muito bonita, sem dúvida alguma.) A ponte coberta, como as de Madison County, no entanto, não figura entre as 24 atrações. Eles dão de barato que não é algo tão especial assim – mas ela é. Chama-se Ponte do Salto, fica na região norte da cidade. Vale a visita.

Várias das 24 atrações listadas no “Roteiro Histórico” demonstram esse imenso amor de Blumenau pelo seu passado: Monumento dos Imigrantes, Monumento 150 Anos Blumenau, Praça Dr. Blumenau, Mausoléu Dr. Blumenau.

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Ter um teatro como o Carlos Gomes é razão mais do suficiente para os habitantes de Blumenau terem orgulho de sua cidade.

É um senhor teatrão. Inclui espaço para escola de balé, teatro, dança, orquestra de câmara e centro de convenções. Tem para lá de quatro andares, e o palco principal, diante de 1.170 cadeiras aveludadas, é um dos quatro únicos do Brasil que são giratórios.

Dei uma espiadinha nos banheiros do segundo andar (ou seria do terceiro? Não tenho a certeza). Tudo de mármore, tudo do melhor Primeiro Mundo – não perde em nada para os do Municipal de São Paulo, embora sejam mais novos: o teatro é de 1939.

Melhor do que isso: não é um elefante branco. Não tem absolutamente nada a ver com elefante branco. Em julho, estava rolando lá o Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau – a 29ª edição! Apresentavam-se, entre outros, grupos de Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Caicó (Caicó, RN!), Florianópolis, Campinas, Belém.

As diversas salas no grande prédio, em torno do teatro principal propriamente dito, estavam ocupadas por montes de estudantes.

Mas ainda tem mais.

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Na grande praça diante do Teatro Carlos Gomes, ouve-se música.

Mary e eu ficamos boquiabertos, queixo-caídos.

Você entra na praça – e ouve música! Reconheci um Villa-Lobos, quando chegamos à praça pela primeira vez. Mais tarde teve Ernesto Nazarteth, chorinho.

São pequeninas caixas de som espalhadas pelos canteiros da praça, protegidas dos vândalos por bolas de metal. Você caminha e ouve música!

Mary, que ao contrário de mim é turista profissional, tem rodinhas nos pés e conhece muito mais que Oropa, França e Bahia, conhece as Viena, as Buda e as Peste e as Praga tudo, nunca tinha visto/ouvido isso.

Eu, então, que raras vezes saio do bairro das Perdizes, fiquei chocadão.

É simples, não deve ser caro – é um maravilhoso ovo de Colombo.

Tem em São Paulo? No Rio? Em Belzonte? Em Curitiba? Não – tem em Blumenau.

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A praça diante do Teatro Carlos Gomes fica junto da Rua XV de Novembro, a rua mais central, mais importante do Centro de Blumenau, paralela à Rua Sete de Setembro, a Oeste, e à Avenida Presidente Castelo Branco, a Leste – esta, a via que beira o Rio Itajaí-açu.

Hoje Rua XV de Novembro. Originalmente, como lembram hoje algumas placas, Wurststrasse.

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Bem pertinho do Carlos Gomes, a uma quadra, também com acesso via Rua XV de Novembro, fica a Catedral São Paulo Apóstolo.

É imponente, impressionante – e bela.

E é preciso lembrar o óbvio: não é nada fácil criar catedrais modernas. O risco de sair um treco horroroso é bastante grande.

A catedral católica de Blumenau é de uma beleza e de uma simplicidade que se reforçam e se complementam.

A torre é inteiramente separada do corpo da igreja em si. É uma construção de 45 metros de altura, com três grandes sinos e um belo relógio. Também inteiramente separado da igreja é o batistério, uma edificação que não lembra nenhum outro batistério do mundo.

Mas o mais impressionante, como não poderia deixar de ser, é a igreja em si, a catedral. Ampla, bem ampla – 75 metros de comprimento, 15 metros de altura.

A rigor, é um imenso retângulo, só isso. Não há capelinhas nas laterais. Não há – e isso é muito surpreendente – imagens de santos. Ao fundo, atrás do altar, há uma imensa e fascinante rosácea, de 8 metros de diâmetro, rodeada de outras 20 menores, de 60 centímetros de diâmetro cada. É uma espécie assim de mandala moderna.

Mas o mais impressionante é a simplicidade geral, ampla e irrestrita de tudo. A absoluta falta de imagens, de detalhinhos, de rebuscamentos. Acho que não há igreja católica, no mundo inteiro, mais anti-barroca do que a Catedral São Paulo Apóstolo. A Igreja de São Domingos, aqui mesmo nas Perdizes, ali do outro lado da Sumaré, pode ser tão anti-barroca quanto ela – mas mais anti-barroca do que a catedral de Blumenau acho que não pode existir.

Mary reparou que a catedral não precisa de luz artificial alguma durante o dia. Ao contrário da imensa maioria de igrejas, é fartamente iluminada pela luz natural – uma maravilha.

Não entendo muito de coisa alguma, só tenho noções básicas de algumas áreas do conhecimento, mas na hora em que estávamos dentro da Catedral São Paulo Apóstolo me ocorreu o seguinte: não poderia haver um projeto mais perfeito de catedral católica para uma cidade que nasceu sob o signo do protestantismo. Na sua simplicidade grandiosa, a catedral católica não agride a boa parte da população que foi criada segundo os preceitos do despojamento luterano.

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A catedral católica – projetada por Dominikus e Gottfied Boehm – começou a ser construída em 1953, quando Blumenau tinha 103 anos de idade, e foi concluída dez anos depois, em 1963.

A Igreja Evangélica Luterana do Espírito Santo começou a ser construída em 1868, quando a cidade completava 18 anos, e foi entregue em 1877.

Fica uns 3 quilômetros a Sudeste da catedral católica, um pouco além do chamado Centro Histórico, no alto de uma colina. É absolutamente imponente – e tem grande importância histórica. Até hoje, é uma das maiores igrejas luteranas do Brasil.

Não é a única. Há diversas igrejas luteranas em Blumenau, em Pomerode, que já pertenceu ao município de Blumenau e hoje é independente, e em todo o Vale do Rio Itajaí-açu.

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Ah, sim, o Rio Itajaí-açu.

Só mesmo um turista tão acidental como eu mesmo, com meu texto sempre trôpego, que vai e vem, sinuosamente, nunca em linha reta, para escrever quase 200 linhas sobre Blumenau e só agora chegar de vez ao Rio Itajaí-açu.

O rio é um dos muitos motivos que a cidade tem para se orgulhar de si mesma. O rio – e a forma com que a cidade lida com ele.

O rio sempre foi fundamental para a cidade, desde a sua fundação. Era amplamente navegável, até sua foz, situada entre Itajaí, ao Sul, e Navegantes, a cidade do aeroporto, ao Norte – isso, felizmente, uns 20 quilômetros ao Norte da absoluta loucura que virou o Balneário Camboriú, que começou copiando Copacabana e hoje parece, visto de longe (felizmente não chegamos perto demais), uma cópia mal feita de um cruzamento traumático entre Abu Dabi e Las Vegas.

O rio não é mais navegável hoje, neste país em que todos os meios de transporte parecem condenados à ruína, com exceção de sua majestade, a estrada de asfalto para carros e caminhões. Infelizmente, ou não, até mesmo a absolutamente germânica Blumenau está dentro do Brasil.

Não é mais navegável, mas a cidade continua a abraçá-lo. Bem ao contrário do que Belo Horizonte fez com o Arrudas, do que o Rio fez com o Córrego Carioca, que deu o nome dos habitantes da cidade, e com todos os seus outros córregos, do que Curitiba fez com o Belém, bem ao contrário do que São Paulo fez com o Tietê, o Pinheiros, o Tamanduateí, Blumenau preservou seu rio.

Em vez de sepultá-lo, emporcalhá-lo, como fizeram estas capitais brasileiras, Blumenau manteve sempre o exercício de convivência com a beleza de seu rio – como souberam fazer, ou refazer, Paris, Londres, Nova York.

O Centro da cidade se debruça sobre o Itajaí.

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Na avenida que margeia o rio, a Castelo Branco, há bancos junto dos pontos de ônibus, para que as pessoas possam dar uma descansada olhando para as águas nada apressadas do Itajaí.

Ah, sim, o Itajaí é um rio lerdo. Muito ao contrário dos rios de montanha, que correm acelerados, é um rio de vale, que anda lento, mais ou menos como o braço do meu toca-discos Technics ou o meu raciocínio. Nisso ele também se assemelha ao Sena, ao Tâmisa, ao East e ao Hudson. Por mais difícil que seja de acreditar nisso, Blumenau está apenas ridículos, ínfimos 21 metros acima do nível do mar.

Andamos ao lado do rio, olhamos o rio, paqueramos o rio ao longo de todos os dias em que estivemos lá. Na última noite, jantamos num restaurante debruçado sobre o rio, perto de onde no passado ficava o porto, num ponto em que ele faz uma curva quase em U. Tomamos cerveja de umas oito ou dez marcas diferentes, todas ali da região – e juro que tive inveja do povo daquele lugar.

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As águas do Itajaí-Açu avançaram sobre a cidade de Blumenau diversas vezes, ao longo destes 166 anos de convivência próxima entre as pessoas e o rio.

Uma das piores de todas foi a de 1983. Atingiu 135 cidades de Santa Catarina, deixou 198 mil desabrigados e pelo menos 49 mortos (não há números oficiais). Durante 32 dias, as águas tomaram parte das ruas mais próximas ao rio.

A cidade não esquece as enchentes. As fotos do Blumenau de antigamente mostram a cidade invadida pelas águas nas diversas enchentes que vieram antes da horrorosa de 1983 e também das que vieram depois – houve enchentes, embora não tão graves, em 2008 e 2015.

Uma das gigantescas ampliações que adornam o muro daquele estacionamento que citei mostra as águas cobrindo uma rua.

2016-07 - Blumenau - IMG_2400 - 400 Segundo uma matéria do A Voz da Razão, um jornal semanal editado na cidade, foi como uma reação à grande enchente de 1983 que autoridades e empresários resolveram criar a Oktoberfest, seguindo os moldes da de Munique. Na sua primeira edição, que durou dez dias em 1984, a festa da cerveja atraiu 102 mil pessoas. Atualmente dura 19 dias e atrai em média 600 mil pessoas. Diversos grupos folclóricos formados por descendentes de alemães se apresentam.

Estivemos, é claro, na Vila Germânica – um conjunto de dezenas de bares e restaurantes, sempre lotados de turistas. No bar que escolhemos, havia uma dúzia de chopes diferentes, todos de marcas locais, de pequenas cervejarias dali mesmo do Vale do Itajaí.

O cardápio – roubei uma folha, para ninguém dizer que estou mentindo, inventando história – traz 11 tipos de “chopes regionais”. Sete são de Blumenau mesmo, e os outros, de Gaspar, Itajaí e Pomerode.

Aí então, depois dos “chopes regionais”, vêm os “chopes importados”: dois são da Bélgica, um dos Estados Unidos, um de Curitiba e um de Porto Alegre.

Para aquele bar, e certamente para muita gente em Blumenau, é isso: Curitiba e Porto Alegre são cidades de outros países.

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Interessante: quando estivemos em Porto Alegre, poucos anos atrás, fiquei espantado como lá – ao contrário do que acontece em São Paulo – ainda há várias lojas de discos.

O Sul realmente parece outro país.

Na Rua XV de Novembro, há uma loja da Bruneti Discos. O nome, é claro, me é extremamente familiar: quando morei em Curitiba, em 1966 e 1967, a Bruneti era a maior loja de discos da cidade – era assim uma espécie de soma de Bruno Blois com Breno Rossi com Museu do Disco.

P1190499 - 400Fui lá, obviamente, e conversei um pouco com o dono, Rogério, um sujeito assim da minha geração. Contou que trabalhou muito anos para a Bruneti dos paranaenses, numa loja que os donos abriaram ali em Blumenau. Ele acabou comprando o lugar, e está lá até hoje. Para se manter, no entanto, diante da queda do volume de vendas de discos, diversificou-se: vende de tudo um pouco – algumas coisas de informática, de fotografia – e bonés. Bonés dos mais diferentes tipos.

– “Você já reparou – me perguntou – que oito de cada dez garotos que andam pelas ruas estão usando bonés?”

Não, eu não tinha reparado. Passei a reparar, depois disso, e é verdade.

Fantástico: a Bruneti Discos de Blumenau vende bonés e mais algumas dezenas de itens para poder continuar vendendo discos!

Pedi uma indicação ao Rogério e comprei lá um CD de conjunto típico alemão de Blumenau. Die Jungs, volume 2. A faixa 1 é “Früher war es gut”. Há uma faixa “Chimarrão” – o chimarrão gaúcho se incorporou nas tradições locais, pelo que vimos. E há uma chamada “Joinvillense”, que não deve agradar muito aos blumenauenses.

Como é o som? Não sei. Confesso que não tive coragem ainda de tirar o plastiquinho que envolve o CD e botar pra ouvir.

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Há uma óbvia rivalidade entre Blumenau e Joinville. São duas cidades próximas uma da outra, ambas com forte influência da colonização alemã – e disputam, em todos os quesitos possíveis e imagináveis, quem é mais, quem é maior, quem é melhor.

Joinville é a maior cidade do Estado de Santa Catarina em população – 562 mil segundo estimativa do IBGE que consta da Wikipedia. Florianópolis, a capital, vem em segundo lugar, com 469 mil, e Blumenau, com seus 338 mil, é a terceira.

Florianópolis tem funcionário público, turismo, escola, serviços.

Blumenau e Joinville produzem riqueza – têm muita indústria, atividade econômica absolutamente diversificada.

Por uma dessas coincidências de que é feita a vida, exatamente quando estávamos em Blumenau foi divulgada uma pesquisa feita pela Secretaria da Fazenda do Estado sobre competitividade das principais cidades catarinenses, com base em fatores como acesso à saúde, mercado de trabalho, infra-estrutura. Deu Florianópolis na cabeça, com Blumenau na vice-liderança e Joinville em amargo quarto lugar – em terceiro ficou Jaraguá do Sul.

Tanto Blumenau quanto Joinville têm um jornal diário – em formato de tablóide, como é costume no Sul – Jornal de Santa Catarina, na primeira, e A Notícia, na segunda. Os dois jornais são bastante parecidos, e parte do noticiário – o que não é especificamente regional – é igual nos dois. Nada mais natural: ambos são de propriedade do grupo RBS, da Zero Hora de Porto Alegre, dos Sirotstky.

Manchete do Jornal de Santa Catarina no dia 14 de julho: “Blumenau se destaca em índice de competitividade”.

Manchete de A Notícia: “Joinville é a quarta em competitividade”.

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Falta ainda falar de Pomerode e de enxaimel, mas este texto já está grande e, se eu já estou cansado dele, imagine um eventual leitor. Fica para outro texto – se é que vai haver.

Só queria, antes de encerrar, dizer que nem tudo em Blumenau é uma maravilha.

Chegar e sair da cidade é bastante complicado.

Estávamos com um excelente GPS do carro alugado, e com Waze e com Google Maps – e, no entanto, nos atrapalhamos, tanto na chegada quanto na saída.

Queríamos evitar de todas as maneiras a BR-470, famosa por ser uma das piores estradas do país, seguramente a pior do Sul do país. Mas não tem jeito. É impressionante: todos os caminhos levam inevitavelmente para a BR-470.

Quando finalmente conseguimos sair dela, na hora de ir embora, rumo a Curitiba, a frase pipocou na minha cabeça: a BR-470 não é uma estrada, é uma maldição.

Agosto de 2016

3 Comentários para “Adorável Blumenau”

  1. Servaz, seu texto é uma aula do melhor jornalismo; aliás, de um raro jornalismo ideal. Não sobra uma vírgula, está escorado em números, mas é criativo, saboroso, brincalhão. Com que então você roubou uma página do cardápio de cervejas? Até a (injusta) autocrítica sobre a sinuosidade do escrito, e a lentidão de um braço de toca disco, estão muito divertidos. Sua fluência é ótima, tenho a impressão de que você é um felizardo que senta à frente do teclado e
    e o cérebro (e a alma) vai comandando os dedos num fluxo direto.
    .Um lugar onde havia som ao ar livre, com músicas agradáveis, eram os jardins do parque Ibirapuera, nos primeiros anos. Também havia alto-falantes sob a grande marquise. Você via casais de namorados, famílias, passear pelo parque, encantados. Hoje não precisam mais disso. Para fazer ginástica, basta o som do celular com fone de ouvido.

  2. Li o texto, na metade já me propunha a fazer um necessário comentário sobre a vontade de retornar a Blumenau para tomar um chope no Pinguim. Turista acidental Servaz produziu texto factual, preciso e honesto sobre a magnifica Blumenau. Valdir tomou-me a dianteira e esgotou qualquer possibilidade da primazia de constatar: Sérgio é …. com F ou PH.
    Me deu vontade de voltar a Blumenau em outubro.

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