Cinco da tarde é uma bela hora para se cortar o cabelo, pensou Frank Capra, a 10 de Março de 1933. Foi, portanto, cortar o cabelo, sacudindo a chatice das reuniões entre um comité da Academia de Hollywood e um comité de trabalhadores dos estúdios para discutir cortes salariais, à conta do fecho por vários dias de todos os bancos americanos, ditado pelo Emergency Bank Act de Roosevelt, moratória que faria estremecer de felicidade Costa e Centeno.
Na cadeira de barbeiro, toalha branca amarrada ao pescoço, seria assim que o terramoto de 1933 apanharia Frank Capra. Estava no Hollywood Athletic Club, ginásio selecto estimado pela elite do cinema. Deixemo-nos de cerimónias, que mesmo a elite gosta de ditados populares: quem tem cu tem medo, e logo que a Califórnia tremeu, o solidário Hollywood Athletic Club tremeu também. Capra, jovem e atlético, foi lesto. Em dois segundos já estava cá fora, o seu olhar elitista a ver a terra andar de balouço e abrir assustadoras fendas.
Deu-lhe forte e foi breve, que é essa a graça dos terramotos. Agora que a terra regressara à sua aristotélica imobilidade, era Capra que tremia. Para se acalmar, decidiu voltar a entrar e descer aos banhos turcos. Não havia ninguém, claro. E minto, corrige-me Capra. Recortado entre as ondas de vapor, entrevia-se um solitário e hedónico ocupante. Vulto enorme, a ler um jornal com uma tranquilidade de urso, se desse a um urso para ler jornais. Trazia uma conspícua e inescapável pala sobre o olho esquerdo. Só podia ser John Ford. “Sim – confirma Capra – reconheci o meu ídolo, o fabuloso John Ford”.
Pareceu-lhe a oportunidade de ouro para meter conversa. “Terramoto danado, não foi, Mr. Ford?” A resposta foi gutural e áspera: “Terramoto? Qual terramoto?”, disse John Ford, matando cerce e a chicote a conversa, sem deixar de ler o jornal.
Trinta anos depois, já os dois velhos, já os dois amigos, a Los Angeles de banhos turcos fez a Capra uma gigantesca homenagem. Falou Ford. Fez o elogio das “comédias dramáticas cheias de humanidade que só tu sabes fazer”, jurando que Capra, por ser tão bom com actores, era até capaz de os dirigir fazendo o pino ao mesmo tempo. O velho Capra, lembrando-se talvez do Hollywood Athletic Club, fez logo ali o pino, para delírio da assistência e gáudio de Ford.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.
O administrador informa: Fazer o pino no Brasil é plantar bananeira. Eis aqui um delicioso dicionário de expressões do Português para o brasileiro.