Quando li sobre o ataque a machadadas e facadas feito pelo afegão de 17 anos em um trem que chegava a Würzburg, Alemanha, fiquei muito chocada. Como pode um adolescente ainda tão próximo da infância ser assim cruel, violento, desgraçado?
O que será que o levou a se transformar nesse monstro?
Depois, como se alguém puxasse pelos meus cabelos para que meu cérebro acordasse, eu me dei conta de que, para uma carioca, ler esse tipo de notícia não devia ser chocante. Triste, sim, sempre. Mas chocante, não, já que aqui, nesta linda e outrora aconchegante cidade, crimes cruéis são cometidos a cada duas horas. Já devia estar habituada a ler sobre o mal, o ódio, a sanha que pode levar o homem a se transformar numa besta-fera.
A Veja de 13 de julho faz um relato do que aconteceu nas primeiras 48 horas do mês de julho: das 20 horas do dia 1º, uma sexta-feira, às 20 horas do domingo 3, foram 27 mortos, 20 feridos, 19 tiroteios, sete arrastões.
A descrição de alguns dos crimes cometidos nessas 48 horas é terrível. Depois de ler a reportagem, podemos avaliar o crime do afegão como brutal, feroz, bestial?
E é nesta cidade que teremos no mês de agosto os Jogos Olímpicos. O cenário é perfeito, o carioca já gosta de uma festa, é apaixonado pelo circo. Ao pão creio mesmo que prefere o circo. Receberemos milhares de pessoas, boas, más, violentas, pacíficas, cruéis, bondosas, perigosas, gente de todo tipo.
Minha oração a Deus é que não permita que a espoleta que esses visitantes possam trazer chegue perto da pólvora que nossa criminalidade armazena há tanto tempo…
O terror que ameaça o mundo de hoje ficará tentado a vir ao Rio? Aqui encontrará guarida entre os traficantes? Morro de medo dessa gente, confesso. E mais insegura fico ao ver as declarações conflitantes de nossas autoridades. O prefeito dá entrevistas divergentes ao The Guardian. Ora o Rio está à beira de muitas tragédias, ora se você quiser desfrutar de um agosto tranquilo, venha para o Rio.
O governo francês pede proteção extra para os liceus que mantém no Brasil e para as sedes de suas escolas de língua francesa em território brasileiro. Nossa Abin se aconselha com o Mossad, com o FBI, com a CIA… E querem me fazer crer que não há razão para medo?
O medo é o sentimento mais primitivo do homem. Os recém-nascidos tremem na mão do parteiro que os segura mal saem do ventre de suas mães e é de medo que tremem. O coração acelera, a respiração fica ofegante, as pernas e os braços se agitam. É o corpo se defendendo do medo. E por toda a nossa vida, em momentos de grande medo, assim ficaremos.
“Eu me pergunto como se pode matar o medo? Como dar um tiro no coração de um fantasma, ou cortar sua cabeça fantasmagórica, ou estrangular sua garganta espectral?”, foi a pergunta que Joseph Conrad fez e que ficou sem resposta.
Já Averróis, Jean-Paul Sartre e Umberto Eco não nos deixaram perguntas sobre o medo; definiram o que pensavam sobre esse sentimento que pode ser devastador:
De Averróis: A ignorância leva ao medo, o medo leva ao ódio e o ódio conduz à violência. Eis a equação.
De Sartre: Todos os homens têm medo. Quem não tem medo não é normal; isso nada tem a ver com a coragem.
De Eco: É sempre melhor que quem nos incute medo tenha mais medo do que nós.
Será? Neste Rio onde há uma morte a cada duas horas, onde a vida não vale nada, onde matar um ser humano é o mesmo que pisar numa formiga? Estou com muito medo. Quero afastar esse sentimento negativo, feio, escuro. Mas como?
Na verdade, o mundo está ameaçado. A maldade e o ódio parecem dominar todos os países. Nice, Paris, Bruxelas, Londres, Orlando, Madrid… Não há como fugir da constatação: como é frágil esta nossa nave.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 22/7/2016.
JORGINHO
Ainda não nasceu,
Tá escondido, com medo,
No ventre da mãe.
Quando chegar
Não vai encontrar pai,
Que saiu para trabalhar
E nunca mais voltou
Pra jantar.
No barraco em que vai morar
Cabem dois,
Mas é com dez
Que vai ficar.
Sem ter o que mastigar
Nem leite para beber
Vai ter a barriga inchada,
Mas sem nada pra cagar.
Não vai para escola,
Não vai ler nem escrever
Vai cheirar cola
Pedir esmola
Pra sobreviver.
Não vai ter sossego,
Não vai brincar.
Não vai ter emprego,
Vai camelar.
Menor carente,
Vai ser infrator
Com voto de louvor,
Delinqüente.
Não vai ter páscoa
Não vai ter natal
Se for esperto, se mata,
Com o cordão umbilical.
Sérgio Vaz o poeta.