A freira e o pecado

zzzz manuel1 - 720

Rose Pacatte tem uma cara redonda, diria até bonacheirona, se o sufixo não fosse desgraciosamente aumentativo. Rose tem essa cara saudável e sorridente que eu já disse e umas brancas mãos papudinhas. É, perceberam bem, uma gordinha luminosa. E ficam agora a saber que Rose Pacatte é freira. Americana e católica.

Rose gosta de cinema, como só os católicos gostam de cinema. Há no católico um gosto pantagruélico pela iconografia: os santinhos, as pagelas, os altares, a pintura, os frescos, as esculturas, os baixos-relevos nas fachadas das catedrais, as ornamentadas gárgulas… A vida do católico é de uma obscena relação com a imagem, das procissões de pendões e pálio, dos andores com S. Jorge a trinchar o Dragão, até ao presépio a que os fiéis ajoelham para beijar o pé nu do Menino Jesus.

Rose está a dois passos de Spielberg ou de James Cameron. Vive em Culver City, uma das aldeias de L.A. Dirige, com cinefilia de Scorsese, o Centro das Paulinas para os estudos dos “media”. E apresenta ciclos de cinema, como se fosse um João Bénard de saias. Perdão, de hábito.

Vou ser franco. Apesar da minha abundante simpatia por ela, temo que a irmã Rose venha a fazer menos pelo cinema do que fizeram as incendiadas proibições da velha Legião Católica de Decência, que, à bruta, reagia à intrínseca salacidade do cinema. Parafraseando O Que Fazem Mulheres, desse Camilo que nunca viu filmes, mas sabia tudo de intriga e romances, “aquilo sim, eram proibições”.

Quando a Legião Católica proibiu The Outlaw, as dúvidas dissiparam-se: Jane Russell tinha contracções que Nossa Senhora nunca teve e as palhas em que ela aconchegava o deleite do seu corpo não eram as palhinhas do Presépio. Se não viram, vejam, por favor, com olhos cristãos. E vejam também Baby Doll. Não é só o filme fazer justiça ao título, é também a forma como, na displicente cama, Carroll Baker chupava o seu próprio polegar. Proibição, ah pois. E era só ver polegares a ir ao cinema.

Hoje, o Osservatore Romano aplaude Spotlight. Ontem – uns bons ontens lá atrás – proibia La Dolce Vita, de Fellini. Hoje, aprova o mau cinema de boas intenções. No passado, condenava o bom cinema de más intenções. Este vale de lágrimas em que vivemos não ganha nada com isso. Há lá maior virtude do que um bom pecado!

253  75
253 75

Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.

manuel.s.phonseca@gmail.com.

Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.

The Outlaw no Brasil é O Proscrito.

Baby Doll é Boneca de Carne.

 

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *