Alívio. Nas Nações Unidas, a presidente Dilma Rousseff poupou o Brasil do vexame da denúncia de um golpe que não é golpe que ela insiste em dizer que é golpe. Foi prudente, comedida e elogiada. Não pelo que falou, mas pelo que não disse. Poucas horas depois, pôs tudo abaixo.
Na entrevista à imprensa internacional despejou lamentações contra a “injustiça”, proclamou-se vítima, rogou ao Mercosul e à Unasul punições ao Brasil caso ela seja deposta — como se os dois organismos fossem de importância crucial para o país – e voltou a decretar a ilegitimidade de seu vice, Michel Temer.
Não parou por aí. Jogou lama nas instituições brasileiras, criticando ministros da Suprema Corte que rechaçam a tese de golpismo, engendrada e propagada pela presidente e pelo PT, e a Câmara dos Deputados, que, por maioria mais do que absoluta, aprovou a admissibilidade do impedimento constitucional contra ela.
Talvez por ter lutado contra uma ditadura para tentar impor outra, Dilma tenha dificuldades para entender o conceito de democracia na sua amplitude. Fala sempre de seus 54 milhões de votos como se eles fossem garantia perene. Na sua tacanhice de visão, democracia se restringe ao ato de votar. Para ela, a vitória no sufrágio condena o eleitor a engolir o escolhido, mesmo que o eleito não seja digno da representação recebida.
Finge desconhecer que a Constituição confere a ela e a seu vice a mesma legitimidade. Goste-se ou não do vice. E que a Carta tem instrumentos – ainda que rígidos – para proteger o eleitor quando o eleito fere os seus preceitos.
Não há dúvidas de que pedaladas e empréstimos não autorizados pelo Parlamento aconteceram. O próprio governo admitiu isso ao pagar os débitos pedalados no ano fiscal seguinte ao crime. Tanto que calca sua defesa na afirmação de que todos os governos anteriores cometeram delitos idênticos. Ainda que fosse verdade, se mantida a premissa de um crime justificar outro, não só a proliferação delituosa seria endêmica como se tornaria impossível qualquer punição em qualquer época.
Mas é fato que as pedaladas não são as responsáveis pelo repúdio popular a Dilma e ao PT. Ainda que sejam definidas como crime de responsabilidade previsto na Constituição, elas estão longe de ser compreendidas pela maioria. Mas, assim como a sonegação fiscal, um crime dito menor, acabou com o lendário Al Capone, elas têm a capacidade de banir Dilma, o PT, Lula e todo rastro de imoralidades que eles patrocinaram.
O brado contra o golpe fictício e a vitimização acabaram se tornando os únicos e derradeiros tiros. Só que além dos públicos cativos eles não atingiram outros alvos. Na mídia internacional, onde Dilma imaginou ter fôlego para a sua pregação contra o “golpe”, pouco conseguiu arregimentar fora do eixo bolivariano.
No máximo, Dilma colheu a defesa de eleições gerais na The Economist. Não por se renderem à sedução da presidente vítima, mas por entenderem que nem Dilma nem ninguém na linha de sucessão direta – Temer, Eduardo Cunha (que a revista inglesa desconhece estar legalmente impedido de assumir a Presidência da República por ser réu no STF), Renan Calheiros e outras dezenas de parlamentares – teriam ficha limpa para assumir o poder.
A prestigiada revista semanal inglesa acerta na sintonia com a demanda popular, mas erra na viabilidade, inclusive constitucional, da execução de um pleito extra.
O fora tudo é agradável e simpático de ser defendido. Parece ser a solução para todas as coisas. Mas não é. Muito menos está no escopo político de quem defende eleições já. No projeto protocolado na semana passada no Senado, a proposta de novo pleito se restringe a presidente e vice para um mandato tampão de dois anos. Não inclui os demais – nem deputados nem senadores, que não emprestariam dois terços de maioria para votar contra si.
Ou seja, cada defensor da idéia malandra de diretas já, da dona da Rede, Marina Silva, ao PT, Lula e Dilma, sabe da impossibilidade da tese.
Eleições extraordinárias têm ritos a serem seguidos. O esforço de animar a galera com elas quando se sabem improváveis é tão danoso quanto o engodo da pregação do golpe. Ambos os discursos tentam ludibriar o público. Pior: o fazem em nome da democracia, enxovalhando-a.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 24/4/2016.
Ser réu não imoede de ser presidente e não impede o Lula ser ministro Cunha é ficha limpa, não tem condenação, ainda. Indícios não proibiram de 36 deputados term votados pelo impachment em nome dos netos e filhos. Os golpistas é que impedem a democracia com ajuda da inveja.
A ONU não ara palco, mas a imprensa internacional sabe quem é quem. Os golpistas vão conseguir entrar para a história. A inveja é própria dos incompetentes
Recado para coxinhas, golpistas e petralhas aparlemados.
Uma alternativa que poderia brotar daqui mesmo, com os coletivos de ocupação, a luta contra a obsolescência programada, a vida pautada em outros motivos que não o dinheiro, a alimentação pautada na saúde, na variedade e na qualidade. Ao contrário do que se pensa, nada disso é exclusividade de uma “minoria esclarecida”, mas desejo de muitos que não se veem representados pela falta de ousadia dos projetos do Estado e do mercado. Trata-se sim de uma utopia que muitos desejariam embarcar.
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Este seu artigo, como todos os anteriores, é brilhante. A menção ao fato de ter Dilma lutado para impor uma ditadura ao Brasil e, por isso, não entender o que é uma democracia, é corretíssima.
Quanto ao pronunciamento comedido na ONU e a posterior verborragia costumeira contra o “golpe”, acredito ter sido decorrente do vencimento do efeito do remédio ingerido para pronunciar-se no forum mundial.
Eu, quando falo em democracia, falo na participação direta do povo nas decisões coletivas. Infelizmente, são muito poucos os que compreendem este meu conceito: eles chegam ao ponto de dizer que a democracia foi criada em Atenas (?????!!!).
A denmocracia, criação dos vikings, é compreendida por muito poucos. Vários fascistas ou semi-fascistas se julgam democratas. Triste país.’