Cometi um grave erro na última crónica. Ataquei a reputação de uma geração. O primeiro “uau!”, esse esplêndido juízo de valor dos adolescentes de hoje, é muito mais antigo do que pensava.
Corrijo agora: o primeiro “uau” saiu da fresquíssima e entediada boca de Elizabeth Taylor, tinha Montgomery Clift um taco na mão. De bilhar, para ser exacto. É um “uau” de 1951. Nem eu tinha nascido e muito menos Justin Bieber, que nada tem que ver, diga-se, com esta história.
Antes de voltarmos ao taco, olhemos para o Clift do filme desse “uau”, chamado A Place in the Sun. Clift vem do povo, namora nas ruas do povo, cantou em menino os miseráveis hinos religiosos do povo – mas tem na pele um formigueiro que não herdou do povo. Clift é o sobrinho pobre que trabalha na fábrica do tio rico e veste, no filme, a T-shirt branca que havia de tornar Marlon Brando e James Dean famosos.
Paternalista, o tio convida-o para uma festa. Vem e ninguém dá por ele. Chega, de barato fato preto e camisa branca, e ninguém dá por ele – e ninguém são todos os que estão de opulentos fraques, laços, vestidos de cetim e seda. Deambula pela riqueza como um Cristo a jejuar no deserto. Disfarça-se atrás da cilíndrica delicadeza de um cigarro e acaba sozinho numa sala com uma mesa de bilhar. Uma tacada artística e a bola branca faz as três tabelas e embolsa. Já na porta se desenhou o imaculado vestido de Liz Taylor. E é da boca dela que sai o mais macio “uau” da história do cinema. Meigo e sombrio, seguido de um “hello” e do sorriso de amor-triste de quem já sabe que não foi feito para a felicidade.
Interessa é ver a dolorosa inocência do vestido dela. Branco, comprido, fixamo-nos na cintura encantadora, nos ombros angélicos e nus, nas duas conchas de folhos que, entre a carícia e o aperto, guardam o peito dela. “Your tits are fantastic, just fantastic”, murmurou-lhe Clift ao ouvido, antes de começarem a filmar. Traduzo, claro: “As tuas maminhas são as redondas colinas que levam ao paraíso.”
Luta de classes em fundo, amam-se, com um amor assustado, insalubre. No segundo encontro, hão-de beijar-se o beijo mais bonito da história do cinema – uau! As mãos de Liz seguram-lhe a cara, acariciam-lhe as faces, passa-lhes os dedos de mulher, tão bonitos, pela boca de homem. O cinema dá o que a vida tira e ela foi a única mulher que Clift, amante de homens, queria ter amado.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.
A atriz da foto do alto é Shelley Winters. Que o Manuel me perdõe por meter aqui minha colher, mas nunca esteve tão bela quanto neste Um Lugar ao Sol. O problema dela é que o filme tem também Liz Taylor.