Pirueta na corda bamba

Depois das piruetas dos trapezistas do Gran Circo Planalto para disfarçar os números fiscais escabrosos, depois das peripécias no globo da morte para transformar déficit em superávit, depois do trabalho extraordinário dos clowns para varrer a sujeira da Petrobrás para debaixo da serragem do balanço sem auditoria, o grande lance da função estava reservado para os domadores.

Eles tinham que enfiar a cabeça na boca do leão na votação para a escolha do presidente da Câmara. Foi o que fizeram, com grande empenho, os domadores Aloizio Mercadante e Pepe Vargas. Enfiaram a cabeça na boca do leão, mas ele, vupt, fechou a boca e engoliu a cabeça dos domadores.

Tragédia no Gran Circo Planalto.

O número falhou. Os domadores não conseguiram enquadrar o  leão e Eduardo Cunha foi eleito presidente da Câmara no primeiro turno com 267 votos, que somados aos 100 votos dados a Júlio Delgado, candidato da oposição, completam 367 votos do bloco governista ma non troppo mais o bloco oposicionista ma non tropo contra 134 dados a Arlindo Chinaglia, candidato do PT, o governista absoluto.

Não que Eduardo Cunha não seja da base aliada, entenderam? Mas é que ele tem um certo topete, a presidente da República não vai com a cara dele, e ela escalou seus domadores de leões para enfiar a cabeça dentro da boca do animal. A estratégia não surtiu efeito, o leão engoliu a cabeça deles, e ainda mastigou em público para aumentar o vexame.

A foto do domador Mercadante dando a mão ao leão Cunha na sessão da Câmara, onde foi lida a mensagem ficcional da presidente Dilma, é uma cena historicamente constrangedora. Os bigodes do estrategista da presidente tremem de indignação, raiva e repulsa. Cunha, um pouco mais cínico, recebe aquilo como se fosse um aperto de mão, e parece conter-se para não rir.

A derrota histórica do PT na Câmara foi ligeiramente compensada pela vitória de Renan Calheiros no Senado, embora com uma diferença de votos significativamente menor do que aquelas que o senador alagoano conseguiu em eleições anteriores. Renan comemorou a vitória ignorando o tradicional princípio da proporcionalidade que dá à oposição cargos na Mesa de acordo com o número de cadeiras.

Entre um tradicional prestador de serviços como o senador Renan e um deputado que se proclama “independente”, como Cunha, o Planalto fica um pouco encalacrado, e sem maiores pruridos, com a sutileza que caracteriza o domador Mercadante, anunciou que passará à distribuição de cargos do segundo escalão “levando em conta critérios técnicos e políticos”.

Cunha não tem a docilidade de Calheiros e, embora esteja longe de ser um oposicionista, do alto dos seus 276 votos, tende a encarecer o apoio da base aliada e a espalhar alguns obstáculos no caminho da pretensa “hegemonia” que o PT gostaria de enfiar goela abaixo da sociedade.

Pelo filtro de Cunha, terceiro na linha de sucessão, passarão eventuais pedidos de processo de impeachment contra a presidente, de instalação de CPIs (já aceitou uma nova sobre a Petrobrás) de reformas polêmicas como proibição total de financiamentos privados de campanha e dependerá dele a tramitação de projetos estabelecendo qualquer tipo de controle da mídia – que ele já prometeu arquivar sumariamente.

A irrequieta e instável base aliada, que na legislatura passada já derrotou amplamente o governo derrubando o decreto que implantava os conselhos populares, tende a se tornar mais irrequieta e instável nas mãos de Cunha.

Os equilibristas do Gran Circo Planalto terão que aprender a andar na corda bamba.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 6/2/2015.

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