Para os cavalos, misericórdia

Tenho testemunhado o sofrimento infindo de uma pessoa muito próxima – e me sinto um idiota impotente porque não há o que fazer.

Não é um caso tão óbvio quanto o de aparelhos que mantém artificialmente viva uma pessoa já a rigor morta.

É um pouquinho menos óbvio.

Os olhos dela expressam dor profunda, exaustão, vontade de que a dor finalmente acabe. Parecem, são idênticos aos olhos de um cavalo ferido, que sofre profunda, intensa dor.

Desde sempre nos acostumamos a acabar com o sofrimento dos cavalos com um tiro de misericórdia – misericórdia, do latim cor, cordis, coração.

Dos seres humanos, não, não temos misericórdia – eles são obrigados a ficar sofrendo e sofrendo e sofrendo e sofrendo não se sabe por quantas semanas, quantos meses, quantos anos, talvez porque, mais que os cavalos, foram feitos à imagem e semelhança de Deus.

Os cavalos são mais felizes porque se parecem menos com Deus, segundo as crenças medievais que continuamos todos a professar no século XXI.

Para os animais, misericórdia. Para as pessoas, sofrimento demais, demais, demais.

Há algo profundamente errado na civilização que construímos.

Janeiro de 2015

Um comentário para “Para os cavalos, misericórdia”

  1. Por isso é que sou favorável à eutanásia e ao suicídio assistido.

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