Reza a lenda geralmente aceita como verdade que os políticos mineiros tinham uma espécie de monopólio da sabedoria.
Magalhães Pinto, banqueiro, ex-governador de Minas, plantou em sua biografia uma frase histórica. Ele disse que “política é como nuvem; você olha, ela está de um jeito; olha de novo, já mudou”.
Suponhamos então que você tenha se ausentado um pouco do país, que tenha ido fazer um tour pelas Ilhas Seychelles, ou tenha ido comprar artesanato em Bali para vender na praia, e que nesse período não tenha nem entrado na internet para saber como é que andam as coisas lá pelo Brasil.
Quando você saiu daqui dava para ouvir do aeroporto o fragor da carga da brigada ligeira contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, empenhado em tentar esconder no armário umas contas na Suíça recheadas de dólares, devidamente numeradas e até assinadas por ele.
Malufianamente, Cunha negou as mais gritantes evidências com todas as suas forças.
Como só ele detém constitucionalmente o poder de aceitar ou rejeitar qualquer pedido de impeachment contra a presidente da República, foi paparicado pela oposição e fuzilado impiedosamente pelos governistas como a encarnação do demônio na Terra.
Quando você saiu daqui, Eduardo Cunha era a causa de todos os males de que o Brasil padece na terra: para os governistas, o inimigo público número um; para os oposicionistas, a única mão que pode balançar o berço. A ordem da oposição era atirar nele com cuidado para não acertá-lo. A ordem dos governistas era dizimá-lo da face da Terra, esquartejá-lo e salgar a terra onde ele pisava.
Aí você está de volta, olha pra nuvem e percebe que ela mudou de forma. Não é que Magalhaes Pinto tinha razão?
É que nesse breve intervalo entre a sua saída e a sua volta ao País, as nuvens se mexeram muito. As entidades sobrenaturais que mexem os cordéis da natureza fizeram o seu trabalho, com zelo e discrição, e, pensando bem, até que o mais inescrupuloso e sórdido dos bandidos tem o direito de defesa, não é verdade?
Certo que ele já tinha sido julgado e condenado, mesmo porque era difícil até para um espertalhão como ele apagar as pegadas que deixou no caminho de suas falcatruas.
Mas vejam bem: o que o tornava odioso e odiado não eram exatamente as suas falcatruas, já que, como todo bom político pragmático sabe, a carne é fraca. O que o tornava realmente intolerável era aquela mão permanentemente no coldre ameaçando sacar a qualquer momento a arma do impeachment.
A partir do momento em que a pressão da mão sobre o coldre amaciou, não se sabe se à espera de um momento melhor ou de uma barganha mais vantajosa, a Comissão de Ética que vai decidir seu futuro parece olhar para ele com um pouquinho mais de carinho e compreensão.
E assim ficamos. Você saiu com as nuvens de um jeito, voltou e as nuvens estão de outro jeito. E o País continua olhando para cima enquanto as nuvens mudam de forma, a economia não anda, a política assumiu o jogo da barganha explícita – você me deixa terminar o mandato que eu deixo terminar o seu.
O País? Continua indo mal, obrigado.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 6/11/2015.
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