Não gosto de tipos que se levam muito a sério, tipos de ar compungido a quem, certamente, mas também não quero ir ver, não cabe um feijão no apertado lugar onde o sol não brilha.
Do cabotino e insuportável Jack Nicholson, gosto. Gosto desde que o vi em Easy Rider, eram os meus quinze anos um poço de “paz e amor, iá, meu!” Confesso que gostei mais dele do que de Peter Fonda e Dennis Hopper, os hippies do filme. Via-se que Nicholson curtia mais do que eles, sem merdas depressivas e ainda por cima tomava banho.
O amor desprendido de Nicholson à vida é igual ao amor desprendido que lhe tinha o meu amigo Pedro Bandeira Freire (na foto), ex-dono do ex-Quarteto. Depois de o Pedro morrer, a vida queixa-se de que já não tem quem a ame com a mesma jovialidade, sem a chatear e sem se chatear. Conto episódio comprovativo. Em Cannes, o Pedro saía da garagem do Palácio do Festival, ao volante de um bólide tão descapotável como ele. À procura de qualquer coisa, parou. Atrás, um tipo nervoso começou a apitar, lado para que o Pedro dormia melhor. O nervoso era um emigrante português que se pôs aos gritos de “sai da frente, ó cabrão do careca”. O Pedro, com a mesma calma com que caíam aves a Sá de Miranda, saiu do carro, foi ter com ele e em português suave disse-lhe. “Meu amigo, cabrão sim, mas careca eu?” O excitado emigrante lavrou logo ali um patriótico pedido de desculpas: “Não sabia que o amigo era português.”
Nunca houve portugueses carecas. Mas Nicholson ficou careca de saber que pode não ser fácil o encontro com um ídolo. Em Missouri Breaks, filmou com Marlon Brando, que reverenciava. Ora, já no Last Tango in Paris, para não se esquecer, Brando escrevia as réplicas na sola dos sapatos, o que talvez explique a forma heterodoxa como se punha em cima da terna e tenra Maria Schneider. Nicholson ficou decepcionado porque Brando não fazia contacto visual com ele: nas cenas que tinham, estava a ler as réplicas em cartazes. Protestou. Contrariado, Brando, de auscultador no ouvido, arranjou um assistente que lhe lia, via rádio, as réplicas. Numa cena, houve uma interferência e as comunicações da polícia entraram pelo ouvido de Brando dentro. “Oh meu Deus – exclamou ele – estão a assaltar o centro comercial ao lado.” Ficaram amigos e, pouco depois, vizinhos.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.