Não é sempre que a história acontece à frente de nossos olhos.
Ainda mais por duas vezes e em tão pouco tempo. A primeira, em dezembro, quando Barack Obama começou a escrever um novo capítulo nas relações diplomáticas entre os Estados Unidos e Cuba.
E na semana passada voltou a acontecer ao vivo e a cores no Panamá, na sétima edição da Cúpula das Américas. Depois de 54 anos, finalmente os presidentes dos Estados Unidos e Cuba se encontraram para discutir relações bilaterais, deixando para trás um longo período de anátema e de intolerância.
A Cúpula das Américas marcou a volta da ilha caribenha ao fórum, após ter sido expulsa da Organização dos Estados Americanos, em 1962, quando o planeta vivia os tempos da guerra fria.
Foi mais um passo na superação de intransigências e na valorização do diálogo entre países de modelos distintos.
O anacrônico bloqueio econômico e o antiamericanismo pueril entraram, assim, em marcha regressiva.
A ilha de Fidel quer sair dessa. Se brincar, Nicolás Maduro, o presidente da Venezuela começará a pregar no deserto, aprofundando mais ainda a crise do bolivarianismo.
É bem possível que, após a Cúpula, a região entre em uma nova fase, mais pautada no diálogo de numa agenda comum, como a apontada por Raul Castro: “os desafios das mudanças climáticas, o terrorismo, o narcotráfico, a fome e as doenças”.
Em “um diálogo mais pragmático, menos baseado em ideologias e lutas históricas”, para utilizar uma frase do discurso de Obama.
Para Fidel e Raul Castro o pragmatismo é uma questão de sobrevivência. E a abertura da economia de Cuba uma imposição da realidade.
Os irmãos Castro sabem disso.
Quatro de cinco cubanos (79%) estão insatisfeitos com o atual sistema econômico, segundo pesquisa realizada pelo Washington Post em colaboração com o canal de TV local Univision. Fácil de entender; o estatismo na economia não gerou bens e riquezas necessários. Possibilitou apenas a socialização da pobreza.
A saída para Cuba é a atração do capital externo, a transformação do Porto Mariel em uma espécie de plataforma exportadora de bens modernos.
É nela que o regime cubano vem apostando. Basta ver o esforço do seu ministro de Investimentos e Comércio Exterior no fórum de 700 empresários paralelo à Cúpula das Américas.
Se Cuba se transformará em um capitalismo de Estado tipo a China, mantendo todas as características do seu modelo político, ainda é cedo para se prever.
Não será fácil equacionar a abertura econômica com o modelo político engessado. Como atrair capitais externos com uma internet tutorada pelo Estado? Como concretizar negócios em um ambiente onde as regras podem mudar a depender do que decida um congresso do Partido Comunista?
E os cubanos se darão por satisfeitos apenas com a abertura econômica?
A pesquisa do Washington Post traz um dado capaz de tirar o sono de Fidel e Raul: 52% dos seus patrícios estão insatisfeitos com o atual modelo político de seu país.
Se fizesse hoje uma visita a Havana, Barack Obama seria recebido por uma multidão em delírio. Correria o risco de ser carregado nos ombros dos cubanos.
Não seria para menos. Em matéria de popularidade, Obama é imbatível: sua imagem é positiva para 80% da população cubana, índice bem superior aos 44% de Fidel e aos 47% de Raul.
O fim do bloqueio e a normalização das relações com os EUA são, para os cubanos, a salvação. Um caminho sem volta.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 14/4/2014.
As fotos são de Eliana Aponte Tobar/NYT.
Elas estão em galeria publicada no portal do jornal O Globo, com o título de “As cores dos EUA em Cuba”.
A reportagem sobre CUBA exibida neste final de semana pela GloboNews colide com as pesquisas do Washington Post e traz uma cortina de dúvidas ao texto.