Estou habituado a ver como a Folha de S. Paulo é um jornalzinho danado de metido a besta, a absoluto e único dono da verdade. Mas, mesmo assim, o título abaixo me assustou:
“Natureza da alma é dissecada em novo livro da Coleção Folha”
Puta que o pariu! Escandido: pu-ta-que-o-pa-riu! Vai ser sinônimo de soberba assim na Conchinchina!
O texto é aquele brilho de obviedade que chama o leitor de ignorante, um tatibitate para que o inculto leitor possa compreender o que está sendo dito: “Chega às bancas o próximo domingo (28) o livro ‘Sobre a Potencialidade da Alma’, escrito por Santo Agostinho (354-430), sétimo volume da Coleção Folha Grandes Nomes do Pensamento.”
E aqui se faz um parágrafo, porque o jornal considera que o leitor não está habituado a ler mais do que uma única frase em um parágrafo.
“Primeiro estudo monográfico de um pensador cristão sobre a natureza da alma, a obra consiste num diálogo ao estilo socrático, no qual Santo Agostinho conduz seu discípulo Evódio – que mais tarde se tornaria bispo na África – à compreensão de que a alma possui uma natureza incorpórea e, embora não possa ser percebida pelos sentidos, pode ser conhecida pela razão.”
Falha na edição: ao contrário do que seria aconselhável no estilo Folha de editar, faltou um quadrinho para explicar o que é o estilo socrático. O ombudsman vai reclamar.
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Se fosse um jornal, digamos, sério, poderia ter dado um título assim:
“Livro de Santo Agostinho procura dissecar natureza da alma”
Mas a Folha, gentinha boa, a Folha é a Bolha, a Falha: é o maior jornal do mundo, é o único dono de todas as verdades universais. E então aí está:
“Natureza da alma é dissecada em novo livro da Coleção Folha”
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Será implicância minha?
Pode ser. Sou um copydesk danado de chato, gosto de apontar o que entendo como erros nos jornais.
Jornalista velho é bicho ranheta. Ainda ontem mesmo, numa gostosa reunião na casa de Valéria e Fred Navarro, José Nêumanne vociferava contra este encanto de idiotice, publicado na página A8 do Estadão:
“Visita beneficiou momento frágil da petista”
Nêumanne, mesmo sóbrio, é exaltado como eu fico depois do quarto uísque. Berrava: “O que essa bosta deste título quer dizer?”
O título do Estadão é mesmo absolutamente lamentável. Nêumanne tem toda razão.
Mas será implicância minha achar muito mais lamentável do que esse título doido do Estadão o título “Natureza da alma é dissecada em novo livro da Coleção Folha”?
Será que é porque há muitas e muitas décadas tenho uma antipatia absurda pela Folha de S. Paulo, um jornal que é feito muitíssimo mais de marketing de si mesmo do que de jornalismo?
Alguém poderia dizer que minha antipatia pela Bolha, pela Falha, tem a ver com o fato de que durante uns 30 anos dos meus 36 de jornalismo paguei minhas contas e preparei minha aposentadoria com o salário recebido pela S.A. O Estado de S. Paulo.
Eu acho, seriamente, que não tem a ver. Minha antipatia pela Folha não vem do fato de que trabalhei quase toda a vida profissional para os concorrentes. Tem a ver com o fato de que não gosto de nada que se faz mais pelo marketing do que pela atividade fim. Na minha opinião, a Folha se fez muito mais pelo marketing do que pelo jornalismo propriamente dito.
A Folha é chata, é mal humorada. Na insistência em marquetear que não tem rabo preso com ninguém, nivela tudo e todos, situação e oposição. Para a Folha, todo governo é ruim e corrupto até prova em contrário. Mas – estranho, não? – os do PT são um pouco melhores.
A Folha consegue fazer crítica metendo o pau no show de Paul Simon no Ibirapuera porque é tudo muito correto, muito ensaiado, muito certinho, e não tem transcriação!
Minha antipatia pela Folha tem a ver com o fato de que tenho nojo de instituições e pessoas que são metidas a besta, que se consideram donas de todas as verdades do mundo.
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Mas então é assim: alô, alô, todas as pessoas que têm profundas dúvidas sobre tudo e todos, sobre quem somos, de onde viemos, para onde vamos: a Folha dissecou a natureza da alma!
4 de julho de 2015
Pior do que um título bobo, o maior crime da Folha é querer resumir o pensamento de Santo Agostinho numa frase com o único intuito de atiçar a curiosidade do leitor para poder vender mais livros.
E tem pior: dá a entender que todo o pensamento do maior pensador cristão de todos os tempos foi escrito para a Folha!
Managgia!
Sim, Maria Helena, sim: a Folha dá a entender que Santo Agostinho escreveu para a Coleção Folha!
Perfeito!
Um abraço.
Sérgio
UM, eu leio a Folha para ganhar umas indulgências plenas.
Melchíades, você vai pro céu direto, sem passar pelo purgatório, de tantas indulgências plenas ganhou!
Um abraço.
Sérgio
O suporte físico – a coleção de OS PENSADORES – talvez me impedisse de recorrer às verdades da coleção FOLHAS.
Do ódio ao PT, passando pela antipatia a FOLHA até o veredito ao Melchiades a sua alma intransigente se revela.
“Não queiras sair para fora; é no interior do homem que habita a verdade”.