Alea jacta est

Em 49 A.C., após um longo tempo de indecisão, Júlio Cesar atravessou o Rubicão, entrando na cidade de Roma depois de pronunciar sua célebre frase “a sorte está lançada”. O vice-presidente Michel Temer não é um Júlio Cesar, está longe disto. Mas, com sua carta à presidente Dilma Rousseff, tomou um caminho sem volta. Atravessou seu rubicão.

A conferir quantas legiões Temer possui, mas, sem dúvida, sua mudança de lado – mesmo camuflada como um desabafo – é nitroglicerina pura.

Concretamente, pode fazer a balança pender desfavoravelmente para a presidente, como ocorreu na definição da chapa da oposição para comissão que analisará o mérito do impeachment.

A esta altura, impossível prever como será o desfecho da crise política, se ela se prolongará, ou não, mesmo depois do pronunciamento do Congresso Nacional sobre o processo de afastamento da presidente.

E a guinada do vice, um político matreiro e de sangue-frio, não desarma os espíritos. Pode até ter efeito contrário. Ao perder um aliado tão importante, a tendência do governo será aprofundar do balcão de negócios como forma de assegurar os votos necessários para evitar o impedimento de Dilma.

O cabo de guerra no Congresso, com Eduardo Cunha jogando farofa no ventilador e o Planalto utilizando-se de todos os métodos para manter Dilma no poder, cria a real possibilidade da chamada judicialização da crise, com o STF sendo provocado a se pronunciar a cada instante. Anuncia-se, assim, uma agonia sem fim.

O lulopetismo tende ainda a assumir uma postura jihadista nas ruas, inclusive na hipótese de um governo Michel Temer.  O brado de “impeachment é golpe” é apenas o prenúncio da agudização da linha “classe versus classe” que o PT adora assumir em praça pública, embora por baixo dos panos radicalize em acordos espúrios.

Seja como for, a carta do vice expõe as vísceras de um modelo que produziu excrecências, como o casamento de girafa com hipopótamo.Em termos de ideário, nada aproxima PT e PMDB. Mas falaram mais alto o projeto de poder pelo poder do Partido dos Trabalhadores e o velho patrimonialismo de seus aliados.

Expõe também as limitações do principal cardeal peemedebista. Quem esperava uma peça de um estadista, algo para entrar para a história, como, por exemplo, a carta de Vargas, ou o discurso Mário Covas, de 12 de dezembro de 1968, no Congresso Nacional, contra a cassação de Márcio Moreira Alves, amargou o gosto da decepção.
A carta-desabafo resvala pelos caminhos da política menor. Mais grave: não transmite aos brasileiros a segurança de que Michel Temer está preparado para presidir o Brasil, em uma quadra tão delicada da nossa história.

A vice-presidência é uma instituição a ser preservada. Não pode ser parte do conflito, até para ser a solução largamente consensual e constitucional na hipótese extrema de impedimento da primeira mandatária. Se há algum padrão no qual devemos nos referenciar, ele atende pelo nome de Itamar Franco.

Nosso problema não é atravessar o Rubicão. É atravessar, urgentemente, o enorme buraco no qual o Brasil foi jogado, por culpa dos governos lulopetistas. Os interesses gerais do país não podem estar submetidos à luta política imediata.

O desemprego, a inflação, a recessão, não serão enfrentados enquanto a crise política não for equacionada. Postergar sua solução é uma irresponsabilidade, um atentado contra o povo. Como poderá a nação ficar parada, em compasso de espera, se o Congresso entrar em recesso e não apreciar o pedido de impeachment?  Tamanha insanidade é inadmissível.

Alea jacta est.

Que cada um e todos assumam suas responsabilidades. Perante os brasileiros e a história.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 9/12/2015. 

3 Comentários para “Alea jacta est”

  1. Jogaram a responsabilidade para as ruas, agora querem se despir da carapuça golpista. Fizeram umas passeatas pixulecas e se acharam. Não vai ter golpe não. Golpistas gostam de gabinete ás ruas pertencem ao povo. E vai ser difícil convencer o povo, nas ruas não existe voto secreto.

  2. BLOG DO NOBLAT
    Agora é com as ruas e o Parlamento
    José Aníbal golpista convoca as ruas para participar do golpe engendrado.

    Na pesquisa Datafolha de final de novembro, 65% dos brasileiros achavam que o Congresso deveria afastar Dilma, ante 30% contrários. Quanto ao efetivo afastamento de Dilma pelo Congresso, 56% achavam que não iria acontecer e, 36% achavam que sim.

    A votação de ontem sobre a composição da comissão que vai analisar o pedido de impeachment da presidente é uma forte demonstração de sintonia entre o Congresso e o desejo da maioria dos brasileiros. E também é um indicativo firme de que o Parlamento vai considerar seriamente a aplicação de um dispositivo constitucional para por fim ao ruinoso governo Dilma.

    Pedaladas são todos os desastres causados pelos desatinos da gestão Dilma/PT/Lula, queimando dezenas de bilhões de reais, criando, com isso, um butim para a mais impressionante corrupção de nossa história. É o estelionato eleitoral. É o miserável 2015 de mais corrupção para prolongar um governo inerte/moribundo à custa do sofrimento dos brasileiros, do aumento da pobreza, da miséria e dos recordes negativos quanto a emprego, crescimento e inflação. É pelo conjunto da obra que o impeachment de Dilma ganha força.

    O cenário devastador criado pelo lulopetismo não é criação de marketing, fruto de conspiração midiática, obra da oposição. Na busca de hegemonia praticada com imposição de vassalagem, com uso de dinheiro público, o lulopetismo montou uma extensa e custosa rede de comunicação, fundada na criminalização do debate e difamação dos adversários/inimigos.

    O fato é que a janela foi aberta e por ela está entrando o oxigênio animador de mais manifestações dos brasileiros testemunhando o desejo de mudança e a urgência de sua realização. No momento certo, Michel Temer, em um desabafo que veio a público, deu fundamental contribuição ao revelar a arrogância de quem devia ter humildade para buscar convergências e caminhos para sair da crise. A começar no relacionamento com o vice-presidente que, não sendo igual, mostrou que podia contribuir, como fez em votações pró-ajuste em meados do ano. A arrogância de Dilma turvou mais ainda sua compulsão autoritária, própria do estilo “sabe tudo”.

    Dia 13, às 13h, fora o 13. É um modo engenhoso de dizer que não queremos a continuação do tensionamento e ameaças que marcam o estilo petista. O país não acredita que o modo do PT de governar, com a alucinação da perpetuidade e do hegemonismo, seja capaz de nos tirar da crise. E não é, como vimos ao longo deste ano. Chega. Não vamos nos conformar. Vamos nos manifestar. 13, às 13h, fora 13. O Parlamento certamente fará sua parte.

  3. República da barganha Chico Alencar
    08/12/2015 – NO BLOG DO NOBLAT

    A crise econômica, ambiental e política que nos atinge pesa especialmente sobre o povo pobre, que sofre a violência do desemprego e da perda do poder de compra dos salários. Mais que Dilma e Cunha, ela pode ser personificada, de forma trágica e letal, em Roberto, Carlos Eduardo e Cleiton, de 16 anos, e Wesley e Wilton, de 20. Eles são os meninos chacinados pela saraivada de balas da Polícia Militar, em Costa Barros, subúrbio do Rio, semana passada.

    Enquanto isso, vivemos a mais aguda degradação do nosso sistema político, com o crescente desencanto da população em relação aos parlamentos e aos partidos, quase todos capturados pelas grandes corporações econômicas e corrompidos pelo assalto aos cofres públicos, o clientelismo e a demagogia.

    Processo de impeachment, que pode culminar no ato mais extremo da dinâmica política legal – a destituição do governante -, tem previsão constitucional. Mas este, decidido por Eduardo Cunha, o ilegítimo presidente da Câmara dos Deputados, foi construído em ambiente de chantagens mútuas. Tudo no marco da barganha da qual todos os grandes partidos participaram: foi assim com PSDB e DEM, até perderem a paciência com Cunha na demora do seu ok ao impeachment; foi assim com o PT, com medo da decisão que o ainda presidente da Câmara afinal tomou. Tem defeito congênito posição de tal monta tomada por quem abusa de suas prerrogativas para salvar mandato atingido por denúncias robustas de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e ocultação de bens.

    Agora, o vice Michel Temer precisa dizer se fez um acordo com a oposição conservadora para, em caso de assumir a presidência, não disputar a reeleição. Política digna do nome não pode ser orientada por acordos de bastidores, que ninguém assume publicamente. Isso é prática de ‘republiquetas’.

    As ‘pedaladas fiscais’ que embasariam o afastamento da presidente da República não têm substância para destituir quem detém mandato eletivo. Governos estaduais de diversos partidos também as praticaram. E, convenhamos, tirar Dilma para colocar Temer em seu lugar significaria aprofundar uma “ponte para o futuro” construída com os materiais apodrecidos do presente.

    As saídas da crise só virão com ampla mobilização popular em torno de reformas que instituam um novo modelo econômico, soberano, igualitário e ambientalmente sustentável. E um sistema político que radicalize a democratização do país (através da qual as maiorias sociais possam se tornar as maiorias políticas) e a transparência republicana, melhor antídoto à corrupção sistêmica.

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