Contando, ninguém acredita. Mas é fato. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que desde o fim do ano passado o que mais faz é viajar para lá e para cá, com aquele seu ar manso e pacato, está sendo capaz de uma maldade quase que do tamanho do buraco onde o Brasil se encontra.
Ele sugeriu à imprensa que saia pelas ruas a indagar o que as pessoas comuns acham da CPMF. Na sua inacreditável opinião, a maioria não saberá do que se trata e, portanto, a CPMF é o imposto ideal, já que o infeliz irá pagá-lo sem nem ao menos saber do que se trata!
Está subentendido o que ele pensa de nós. Não é muito diferente do que eu penso dele, só que ele tem poder e eu não. Se eu tivesse a sua caneta em minhas mãos, um ministro da Fazenda teria que responder com seus bens pessoais a cada vez que desse um passo que tornasse os brasileiros mais pobres.
Somos desrespeitados diariamente, essa é que é a verdade. O caso da emissão da guia para cumprir as obrigações em relação ao FGTS dos empregados domésticos é exemplar da arrogância e incompetência com que somos tratados.
De cara, quem se dispôs a cumprir as exigências do governo viu que o negócio não ia funcionar. Reclamações era o que mais se ouvia ou lia. Tão fortes e insistentes que chegaram aos ouvidos geralmente moucos das autoridades. O que fez a autoridade responsável pelo descalabro que, é bom que se diga, custou R$6,6 milhões ao nosso bolso? Mandou suspender o sistema até que fosse reparado ou ordenou que se ampliasse o prazo para o recolhimento da obrigação?
Não, imagina! Isso seria dar uma de fraco. Ele o que fez foi dizer, do alto de seu trono: “‘continuem tentando; tentem fora do horário de pico. O prazo não será dilatado, nem a multa perdoada…” (Mas o malfeito não vingou: o prazo foi adiado).
Por falar nesse fiasco, onde está a lei que obriga os cidadãos a ter um computador e a estar conectados à internet?
São tantos os outros episódios que nos humilham que fico em dúvida quais citar. A escolha é difícil.
Tem o caso da juíza Célia Regina Ody Bernardes, que autorizou busca e apreensão na sede de três empresas de Luis Cláudio Lula da Silva, um dos filhos do ex-presidente Lula, na semana passada. Ela estava à frente da 21ª Vara Cível e foi transferida para a 10ª Vara Federal em setembro, o que foi festejado por alguns procuradores e delegados que vinham pedindo um “padrão Sergio Moro” para as decisões judiciais em Brasília.
Numa tremenda coincidência, ontem o juiz que foi da 10ª Vara Federal, que estava no STJ, foi mandado de volta para seu antigo posto e a juíza Célia Regina foi transferida de volta para a 21ª Vara Cível. Durou pouco a alegria de quem queria um padrão mais alto na Justiça Federal da Capital…
Temos ainda muitos episódios no horizonte, não dá para comentar todos. Cito alguns: a brava comissão de ética (ou de ‘estica’, na genial charge de Chico Caruso publicada ontem em O Globo) que vai julgar o presidente da Câmara, o homem que não mente; a regulamentação da lei sobre novas regras para direito de resposta na imprensa, regras que seriam absurdas em qualquer país, mas que aqui, ao que parece, são pelo menos sonhadas; e afinal, o Governo vai ou não vai ter votos para aprovar o que quer e impedir o que não quer?
Daqui até 2018, são muitos dias. Dá para pedalar à beça. Pedalemos, pois.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 6/11/2015.
O repúdio da zelite progressista contra o populacho atrasado.
Petistas ou antipetistas, nossas elites estão sempre falando em nome da liberdade e da emancipação, reafirmando uma tradição que vem de longe.
As elites brasileiras são esmagadoramente progressistas. Hoje, elas podem ser petistas ou antipetistas, mas estão sempre falando em nome da liberdade e da emancipação.
Entretanto, o que realmente unifica esta elite é a cultura do repúdio.
Por estar na margem do mundo moderno, essa elite repudia nossa precariedade diante do de fora, inveja a história alheia, aspira sempre o novo, quer sempre se reconstruir, recomeçar o que lhe define, entregando-se as novas vagas progressistas como futuro iluminador, irreversível e desejável a que sempre ficamos para trás.
Num país marcado pelo estatismo, o novo agora é conclamar pela liberdade econômica. Mas essa liberdade deve estar atrelada ao progresso cultural e social. Antigamente, nossas elites clamavam pelas luzes para iluminar o Brasil arcaico. Hoje, viaja para o primeiro mundo e inveja seu progresso econômico atrelado a suas políticas públicas em nome da liberdade.
Todavia, o povo brasileiro, esse verdadeiro populacho, é conservador, detesta bandido e droga, não quer nem ouvir falar em aborto, CPMF e tem certos problemas com os valores republicanos.
O populacho detesta jantares chiques e inteligentes. Ele está acostumado com o familismo, o patrimonialismo, e outros ismos que os intelectuais identificaram como sinas de nosso atraso. No imaginário popular, ainda há elementos como o indivíduo ou uma família que simboliza tudo. Aliás, elementos que o publicitário João Santana soube explorar na construção da imagem da presidente Dilma na campanha de 2014.
O populacho vê o Estado como uma “unidade espiritual” que dá sentido à comunidade, simbolizando sua fundação. Deste modo, ele vê o Estado como auxiliador e patriarca, e não de maneira contratual (formado pela sociedade civil), sendo também um povo avesso às ilusões da liberdade. O povo também não é uma panacéia, há suas características, entre vantagens e perdas. Ele cria o coronel, o doutor, o reacionário, o autoritário, os políticos de paróquia, entre outros.
Mas o populacho é também o estorvo que os progressistas querem “consertar”, “educar”, modificando seu comportamento e mentalidade.
Essa dinâmica entre a elite progressista e o populacho moldura a maior parte da história brasileira desde, pelo menos, nas últimas décadas.