Honesto à sua maneira, bruto como as casas, Harry Cohn era o boss da Columbia, o estúdio de Rita Hayworth. A falsa ruiva era a sua pérola. Tinha aquela cabeça rubra toda em fogo, um corpo de fazer Nosso Senhor sair da cruz, e uma forma de dançar que fazia de qualquer homem um Herodes.
Verão de 1943. Cohn andava satisfeito, a produzir Cover Girl. Tinha Rita a dançar com Gene Kelly, esse Cristiano Ronaldo do cinema musical que a MGM lhe emprestara. E não era só dançar, Rita chegava-lhe ao estúdio fresquíssima, alegre. Cada manhã era uma linda manhã.
Cohn proibira Rita de pôr os pés na tenda em que Orson Welles dava apoio e espectáculo aos soldados que iriam combater Hitler e o Império do Sol. Welles, se a apanhasse, cortava-a em duas. Pois sim! Cohn ia descobrir que, vissem-se onde fosse, cada explosão de alegria de Rita em Cover Girl trazia dentro um fecundo átomo (digamos assim) de Welles.
A 7 de Setembro, numa aberta nas filmagens, Orson e Rita casaram-se. Caíram coisas sobre Cohn e Rita. A ingratidão desabou cruel sobre o boss da Columbia, a felicidade em cima de Rita Hayworth.
A história sentimental de Rita, antes de Welles, é irrecomendável: um pai abusador, um marido com a idade do pai, que lhe desertificou o coração e a conta bancária. Rita não tivera ainda a experiência da felicidade amorosa. Welles deu-lha. Um breve fio de eternidade talvez, mas a mulher que, na II Guerra, foi a almofada onanística dos soldados americanos provou a felicidade e soube que era boa.
Em 1947, já separados, mas não divorciados, protagonizaram The Lady From Shanghai, que a lenda diz ser uma vingança de Welles, para assassinar a imagem da ruiva Rita.
Acredito no amor deles e desminto a lenda. Para pagar dívidas no teatro, Welles pediu 50 mil dólares a Cohn, jurando ter uma grande ideia para um filme. Aldrabou-o com o título de um livro que viu num escaparate e nunca lera. Foi Cohn, depois, quem impôs Rita como protagonista.
Welles cortou o cabelo a Rita, pintou-lho de louro, fê-la predadora e amoral. Mas não a cortou em duas. Criou-lhe, sim, uma imagem mítica, um espelho para a eternidade. Uma noite, na televisão, como quem se despede, disse, com amor, que Rita era a mais adorável das mulheres. Welles morreu três horas depois. Ninguém mente três horas antes de morrer.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.