Entre dezenas de debates inúteis que enchem de som e fúria as redes sociais, onde hoje se localizam as trincheiras da guerra ideológica, está aquele que pretende determinar, afinal de contas, se quem nasceu primeiro foi o ovo ou a galinha da corrupção.
No tsunami provocado pela Operação Lava Jato, que vem esquartejando aos poucos as entranhas da maior empresa do país, a mítica Petrobrás, ao lado de cifras estratosféricas desfilam nomes inimagináveis e esquemas indecifráveis de propinodutos ligados a siglas partidárias, o que insinua um loteamento político de larga escala das diretorias da empresa.
A militância política infanto-juvenil (uma qualificação que não é cronológica mas de amadurecimento intelectual) atribui a descoberta e investigação do escândalo à suposta coragem do governo petista, já que nunca antes na história deste pais a corrupção foi tão investigada como agora.
A presidente, como ela mesmo não se cansa de repetir, repudia a corrupção mais do que qualquer outra pessoa no mundo. Aliás, o verbo repudiar nunca esteve em tanta evidência como nestes últimos tempos. Nunca a corrupção foi tão repudiada – e , paradoxalmente, tão praticada – como agora.
O discurso indignado do procurador-geral da República Rodrigo Janot no Dia Internacional de Combate à Corrupção, no qual defendeu a troca da diretoria da Petrobrás, provocou mais impacto do que as declarações do Controlador da União, Jorge Hage, depois de apresentar seu pedido de demissão do cargo que exerceu durante oito anos.
Janot foi mais emocional (“Envergonha-nos estar onde estamos”) e Hage mais técnico (criticou o frouxo sistema de controle do governo sobre estatais e a falta de investimentos na CGU, que segundo ele perdeu 300 auditores desde 2008), mas ambos miravam o mesmo alvo: a falta de profissionalismo na relação do governo com as empresas que ele controla.
A reação da presidente à fala de Janot foi a de considerá-la um “escândalo” e determinar ao ministro da Justiça José Eduardo Cardozo que a respondesse, o que ele fez naquele habitual tom de falsete, que consegue transformar questões de Estado em arenga partidária; esse tom deve parecer adequado a alguém que cobiça uma vaga no Supremo e sabe a quem deve agradar para consegui-lo.
O fato é que a presidente está “indignada”, o fato é que ela “repudia” a corrupção, o fato é que ela não tolera “malfeitos”, e ainda assim considera um escândalo que o procurador-geral sugira o afastamento de uma diretoria sobre a qual pesa a suspeita de uma gestão descuidada, para dizer o mínimo.
A retórica da indignação pode fazer bem à alma dos partidários do governo e aos admiradores da presidente, mas não resolve os problemas práticos da empresa, encalacrada em seus dramas existenciais, como a sua monumental dívida e a queda constante de seu valor de mercado.
Nos EUA, seis escritórios de advocacia já se apresentaram como representantes de investidores que tiveram prejuízos com papéis da Petrobrás. E eles não se preocupam em “repudiar” a corrupção.
São mais práticos: eles querem seu dinheiro de volta.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 12/12/2014.
Tudo vai parar no judiciário até mesmo a indignação dos rentistas. As retóricas de Dilma, Hage, Janot e Cardozo incentivam os rentistas dos EUA a contratar os escritórios para reaver o capital mal aplicado em ações da Petrobrás. Aplicaram capital esperando alta dose de certeza. Hoje na baixa amanhã na alta, isto é mercado!