Leio tudo que me cai às mãos sobre o 25 de Abril. Acho essa data uma das mais lindas da História. E digo mais: só quem não conheceu Portugal antes de 1974 pode compartilhar a tolice “nada foi feito”.
Como assim, nada? Portugal saiu do século 19 para o 20 em uma noite. Querem mais? Saiu sem derramar uma gota de sangue, sem derrubar um prédio público, sem queimar nada, e sem transformar o país numa ditadura fardada. E entrou generoso no século 20.
Antes, tudo era censurado pelo poder público e pela Igreja Católica, cuja força junto ao ditador era absurda. Como todo poderoso, Salazar achava que o que ele dizia era lei dentro dos corações e mentes dos governados.
Mas as guerras no Ultramar, as barbaridades lá perpetradas, os quatro anos de serviço militar obrigatório, o Tesouro arrebentado e a inflação descontrolada, o êxodo continuado de milhares de portugueses para outras plagas onde pudessem ganhar a vida e enviar dinheiro para suas famílias que, separadas, não faziam de Portugal o que tinha tudo para ser, começaram a minar a “santidade” dos cardeais e o pedestal dos governos de Antonio de Oliveira Salazar e seu sucessor Marcelo Caetano.
O que lavrou o terreno para o surgimento do movimento de jovens oficiais que resolveram dar um basta nessa situação. Escolhi dois em quem falar, ambos falecidos e que tiveram, de acordo com o testemunho de combatentes e militantes, um papel relevante, antes, durante e depois da Revolução.
O capitão Vasco Gonçalves, militar de carreira, participa da Comissão Política e Comissão de Redação do Movimento dos Capitães. Foi essa comissão que norteou a Revolução dos Cravos.
No Terreiro do Paço, junta-se ao capitão Salgueiro Maia que saíra com a tropa de Santarém depois de ouvir pelo rádio a senha do início da revolta: Grândola, Vila Morena, do poeta proibido Zeca Afonso.
Lá a multidão cresce e eles se preocupam com a quantidade de civis entre os tanques: homens, mulheres, crianças, com jarras d ‘água, cafezinho, cravos vermelhos e carinho. Tinham medo que o povo fosse ferido.
Do outro lado da imensa praça vêem as tropas do governo que, ignorando o lenço branco acenado por Salgueiro Maia, ordena ao alferes que atire contra os revoltosos. O alferes desobedece, recebe voz de prisão e adere aos revoltosos. É nesse momento que Salgueiro Maia sente, copio suas palavras: ‘Foi aqui que se deu a vitória da Revolução’. (Centro de Documentação 25 de Abril – Universidade de Coimbra)
García Márquez foi a Lisboa, em 1975, onde assinou a matéria “Portugal, território livre da Europa”. Sobre o ambiente na ‘maior aldeia do mundo’ diz o seguinte: “onde toda a gente fala e ninguém dorme”.
Pois bem, quando o assunto é o antes ou o depois do 25 de Abril, continua exatamente assim: as conversas varam a madrugada e ninguém dorme. E como eu gostaria de estar por lá a conversar…
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 25/4/2014.
Quando o assunto é o antes ou o depois do 25 de Abril!
Lisboa, 25 abr (EFE).- Milhares de cidadãos fizeram um tributo nesta sexta-feira em Lisboa aos militares que protagonizaram o golpe militar de 25 de abril de 1974, em um ato de forte tom crítico com o governo atual e a troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional).
A iniciativa teve uma grande carga simbólica, já que aconteceu no Largo do Carmo, frente ao quartel onde há exatos 40 anos os soldados sublevados alcançaram a rendição do então primeiro-ministro – herdeiro do regime – Marcello Caetano, para encerrar assim a ditadura e facilitar a chegada da democracia.
O presidente da Associação 25 de Abril – entidade que reúne os militares que estiveram envolvidos no levantamento – Basco Lourenço, pronunciou um aceso discurso no qual censurou duramente a atitude do Executivo.
“Ou a política muda urgentemente e se inverte o caminho da submissão, da austeridade e do empobrecimento do país, ou este governo tem que ser retirado – do poder – sem hesitar”, defendeu.
Enquanto o ato acontecia na rua, no parlamento os porta-vozes de todas as forças parlamentares lusitanas e as maiores autoridades do país – incluindo o chefe do Estado, Aníbal Cavaco Silva – se reuniram na tradicional cerimônia oficial para comemorar a chamada Revolução dos Cravos.
A Associação 25 de Abril foi convidada a
comparecer à homenagem, mas novamente declinou de participar este ano devido à recusa da presidente do parlamento, Assunção Esteves, a permitir que Basco Lourenço subisse ao palanque para discursar.
Como demonstração de apoio a suas reivindicações, o histórico dirigente socialista Mário Soares, que foi primeiro-ministro (1976-1978) e chefe do Estado (1986-1996), também não participou da sessão oficial no parlamento e acompanhou os militares do 25 de abril.
Basco Lourenço, um dos articuladores do golpe de Estado, alertou hoje que por causa das severas políticas de austeridade aplicadas durante os três últimos anos, Portugal se transformou “em um barril de pólvora” a ponto de explodir.
“Temos que ser capazes de aproveitar as armas da democracia e dar um cartão vermelho aos responsáveis por como o país está hoje para expulsá-los do campo”, comparou.
A concentração no Largo do Carmo, no coração de Lisboa, homenageou diretamente Fernando Salgueiro Maia, o capitão do exército português que liderou o grupo de militares que cercou o quartel no qual se protegia Marcello Caetano em 25 de abril de 1974.
Salgueiro Maia é um dos heróis da Revolução, e sua é uma frase pronunciada perante seus homens ao início do levantamento que já passou à história: “Senhores meus, como todos sabem, há várias formas de Estado: o Estado social, o Estado corporativo, e o estado ao que chegamos. Agora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado ao que chegamos”.
Além disso, Salgueiro Maia foi também protagonista do momento de maior tensão do golpe, ao ficar, sozinho, segurando um lenço branco de frente a cinco tanques das forças ainda leais ao regime.
O oficial do comando ordenou abrir fogo contra o capitão insurreto, mas seus próprios subordinados se negaram a cumprir a ordem, certificando definitivamente o fim de uma ditadura que já duava quase meio século. EFE
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Em Portugal, o Basco Lourenço:
“Ou (…) se inverte o caminho da submissão, da austeridade e do empobrecimento do país, ou este governo tem que ser retirado – do poder”
No Brasil, os milicos tupiniquins:
“ou o Jango para com essa frescura de independência econômica ou o governo tem que ser retirado”.
Cada país tem os líderes que merece.