Tinha uma cabeçada demolidora. Lisboa já não seria bem um pátio das cantigas. Mas ainda havia restos de Vascos Santanas nas leitarias de Alcântara e nas tascas da Madragoa. O atávico leão da Estrela já era. Lisboa tinha agora um SLB campeão europeu que pintava a cidade de vermelho.
Os homens assobiavam à boa parte de trás da mulher que passava e um “ó caramelo, isso é com a minha namorada?” era o preâmbulo de um vasto arraial de pancadaria.
Ora, o meu sogro tinha uma cabeçada demolidora. Um dia fez aterrar, limpinho, limpinho, no asfalto de Benfica, um cabo forcado que se pusera a tremeluzir os olhos, à Lilian Gish, ligeiramente na direcção em que se sentava a minha sogra. Porta da leitaria fora, direitos ao ringue que era a sossegadíssima rua e nem primeiro assalto chegou a haver: KO logo ali, no prefácio que é uma boa cabeçada.
Lia mais do que os prefácios, o meu sogro. Era comunista inveterado, autodidacta, membro de conquistado direito da aristocracia da classe operária. O seu metro e oitenta de músculo e osso, se tinha ciúmes de alguma coisa era dos intelectuais. Queria saber tanto como eles, sem os vícios deles. Cunhal era o seu modelo, o que a própria natureza respeitou dando-lhe, desde os 20 anos, uma cabeleira tão alva como a do pequeno comunista a que a burguesia ofendida chamava Cavalo Branco.
A mãe era filha da relação clandestina de uma patética nobre portuguesa com o rei D. Carlos. O nascimento foi às escondidas e a criança entregue a família plebeia. O meu sogro era neto de rei e ria-se da coroada genealogia. Não era esse o tipo de príncipe que queria ser e nunca foi ao palacete que diziam ser da família. Um príncipe não estende a mão a esmolas. Príncipe é o que tem a cabeça alta e se ele tinha uma cabeçada demolidora.
Nos meus tenros anos, tirei-lhe de casa a princesa que criara e pus-lhe a cabeça em água. Discussões homéricas: eu atirava-lhe para cima com vagas de sangue estalinista, que ele me devolvia em atroz exploração capitalista perpetrada pela burguesia e pelo grande capital. Comigo, por causa da sua princesa, discutia de acelerado coração. Poupou-me sempre a uma cabeçada demolidora. De Niro, nos seus lamentáveis filmes de sogros, não lhe faz justiça.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordteo com a antiga ortografia.
Os comunistas não comem crianças e não dão cabeçadas Manuel.
O que se afirma é que, após a sangrenta “Guerra Civil” de 1921 na Rússia – eles chamam a invasão de vários países de “Guerra Civil” – fome e frio tomaram conta da Rússia, assim como na Leningrado de 1944.
Alguns russos resolveram comer cadáveres para sobreviver. E alguns desses eram de crianças.
Russos comeram criancinhas, assim como os Iugoslavos doa Anos 90. Mas o Ocidente, mal intencionado, atribuiu aos comunas tal prática.
Como é horrível ser manipulado!!!
Essa coisa de “comer criancinhas” me lembrou a imagem tradicional da bruxa (uma velha nariguda).
Quando a Inquisição da Contra-Reforma assolou a Europa, muitas mulheres foram acusadas de ser bruxas, às vezes por motivos fúteis: alegre demais, triste demais, enfim.
Mas o principal: o alvo preferido da Igreja eram as velhinhas solitárias, que não contavam com a proteção de parentes. Vergonha semelhante ao Holocausto e às Grandes Navegações.
O autor fala em “discussão homérica”, que poderá haver, às vezes, entre o Miltinho e outros (“o PT já vai tarde” “ah, mas o PSDB fez igual”).
Nenhuma destas discussões são necessárias. Que tal termos um raciocínio mais universal?
O Estálin matou milhões; o capitalismo matou milhões. O PT destroçou pessoas, o PSDB destroçou pessoas! Podemos incluir todas estas ideias numa única conversa. Num único parágrafo.