O assalto ao Bradesco

No início de 1980 passei a dividir a chefia de Reportagem Geral do Estadão com José da Silva (nome fictício), um dos sujeitos mais agitados que conheci. Na mesma época, por indicação do Faustão, então repórter esportivo, fui chefiar a Reportagem do sistema Globo de Rádio (Globo AM e Excelsior FM), que alimentava dois radiojornais.

Vida dura, mas eu acabara de chegar do interior, ainda estava me acomodando com a família e precisava de grana. Saia do Estadão às 11 da noite, acordava às quatro da madrugada e chegava à Rua das Palmeiras lá pelas cinco. Despachava repórteres, entre eles meu saudoso amigo Tuca Pereira de Queiroz, e escrevia duas crônicas. Uma para cada rádio, sendo que, mais tarde, a da Excelsior FM (hoje CBN) ficou por conta do Luiz Carlos Ramos, o Barriga, então editor de Esportes do Estadão, que levei para trabalhar comigo e se revelou um excelente cronista de cotidiano.

A equipe era pequena e havia sempre muito o que fazer: revisava “cabeças” (textos de abertura das matérias), acompanhava a edição das reportagens, preparava a pauta da tarde, fazia reuniões de planejamento da cobertura do Carnaval e da primeira visita do papa João Paulo II ao Brasil, programada para julho… Lá pelas 13h30 voltava para a redação do Estadão a tempo de pegar a rabeira do bandejão no restaurante do sétimo andar.

Numa dessas tardes, ao me passar a editoria, o Zé confidenciou:

– Temos uma tremenda matéria para amanhã. Um ex-engenheiro da Eletronorte me procurou revoltado, disse que vai assaltar um banco e pediu cobertura do jornal. Quer protestar contra a sua demissão, que considerou injusta. Vamos cobrir com repórter e fotógrafo…

Boquiaberto, olhos arregalados, reagi:

– Tá louco, meu? Isso vai dar cadeia pra todo mundo, do Dr. Júlio (diretor) ao Zé Galinha (contínuo). Se não o denunciarmos à policia, seremos todos cúmplice no assalto.

– Vai, não. O cara me prometeu: assim que terminar o assalto ele se entrega.

Quando soube da história, Luciano Ornelas, que estava substituindo o editor-chefe, Miguel Jorge, em viagem ao exterior, vetou a maluquice e o Zé pareceu concordar.

Na manhã do dia seguinte, soube de um assalto a banco em meio ao rebuliço na redação das rádios. Como estava muito atarefado e a minha agenda marcava várias reuniões, uma delas bastante longa com Isidro Barioni, diretor de Jornalismo, e Chico Paes de Barros, diretor do Sistema, voei e acabei não ligando os fatos.

Quando voltei ao Estadão e a porta do elevador abriu no sexto andar, dei de cara com Eli Serenza, excepcional repórter a quem tive a honra de chefiar. Era uma pessoa muito séria, quase não ria e naquele momento a expressão que estampava no rosto ia muito além do seu normal. Estava transtornada.

– O que aconteceu, Eli?

– Pois o Zé não mandou repórter e fotógrafo acompanharem um cara num assalto? Chegou a pagar o táxi pra ele…

Gelei. Ao chegar à redação, a Reportagem e o Mesão estavam vazios. Perguntei a Hélio Conegundes, um dos contínuos, hoje de saudosa memória, onde estava o pessoal.

– Tá todo mundo na sala do Dr. Júlio.

Antes de ir pra lá, resolvi dar uma checada no que havia sobre o assunto.

Nessa época, o serviço de escuta mandava pras editorias tudo o que era captado nos rádios da polícia (Militar, Civil, Federal etc) e de outros órgãos de segurança, civis e militares. Na caixinha de entrada havia várias tirinhas de telex. Selecionei-as por horário e comecei a ler. A primeira dizia: “Assaltada agência do Bradesco na Avenida Paulista”; outra: “Bandido ameaçou o gerente com uma granada e pediu CR$ 1.2 milhão” (a moeda era ainda o cruzeiro); mais outra: “Polícia acha que o assaltante tinha dois comparsas, um dentro da agência, gordinho e de barbicha, e outro fora, de paletó azul, disfarçado de fotógrafo”.

Não agüentei e cai na risada. Peguei a pauta e vi quem o Zé havia escalado. Repórter: Mauro Carvalho da Silva, o Mug; fotógrafo: Reginaldo Manente, com o paletó azul que ele transformaria numa espécie de marca registrada.

O que estragou a história do Zé foi a decisão do assaltante de não cumprir o prometido. Pegou um táxi até o prédio da Editora Abril, na Marginal Tietê, subiu num ônibus do Real Expresso e foi parar em Uberaba. Ligou só dois dias depois, dizendo que ia se entregar e devolver o dinheiro, menos o que já havia gasto com as despesas de passagem, alimentação e hospedagem.

Isso ajudou muito. O assaltante foi preso, pegou cana, mas não muito longa, o Romeu Tuma não indiciou ninguém do jornal (era crime federal) e, passada a tempestade, com a habilidosa participação do Maneco (o advogado Manoel Alceu Affonso Ferreira), todo mundo livrou a cara.

O assunto virou piada na boca dos inimigos, mas o melhor de tudo é que eu ganhei por companheiro de trabalho aquele que se tornaria um dos meus melhores amigos. Logo depois, Moacyr José Castro Dias chegaria para dividir comigo a chefia de Reportagem Geral do Estadão.

O autor é jornalista em Roraima. 

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