Se repararem bem, ela está lá. A lingerie é de seda vermelha, collants pescadores de rede vermelha também, uns vermelhíssimos sapatos Manolo Blahniks que, calçasse-os Dorothy, e outra teria sido a sua conversa com o feiticeiro de Oz.
Ela é Maria Di Angelis, uma das 50 lindas, boas e nuas mulheres, que Scorsese ofereceu a Leonardo Di Caprio na turbulenta orgia que começa num avião e acaba no Hotel Mirage, em Las Vegas. É um dos bacanais de Wolf of Wall Street e ela, a mais vestida, é a mulher de vermelho que se oferece àquele tudo ao molho e fé em Deus, se assim se pode dizer.
O que eu quero mesmo dizer é que não é fácil controlar um ambiente tão festivo e em que toda a gente é, por assim dizer, muito dada. Actriz de televisão e tendo já feito uma perninha no cinema – poupo-vos à parva insinuação de que tenha feito aqui mais do que isso –, Di Angelis deliciou-se com a organização.
Orgia sim, mas não havia lá pão para malucos. A coca, aos quilos, era vitamina B6 que não faz mal a ninguém, o champagne, a correr como mel na terra prometida, era uma intragável ginger ale com soda e litros de Coca-Cola dieta faziam as vezes de whisky.
E depois? Cada um salta para quem quer, pensou a minha radical ingenuidade. Crasso erro, corrigiu-me Maria. Tudo ensaiado: a cabeça que se inclina para a coca, os corpos que se horizontalizam, os que se erguem, quem de vez em quando se ajoelha.
Scorsese tem 70 anos e já lhe falta a cabeça que é precisa para coisas destas. Arranjou, por isso, um coreógrafo e bailarino. Michael Arnold foi o primeiro “sex coreographer” da história do cinema. Em três orgias – avião, iate, mansão — ensaiou grupos, pares e trios, deita, levanta, beija e toca. Scorsese tratou dos travellings, panorâmicas, picados e contra picados. E eu, arriscando dar cabo do rumor de tantos sussurros e gemidos, apetece-me gritar para a rua de Las Vegas, onde desagua o último plano da orgia, que nada está mais próximo dos ingénuos musicais dos anos 50, Singin’ in the Rain e Band Wagon, do que uma orgíaca coreografia de coca e sexo. Ambas pedem o mesmo falso improviso dos corpos, a mesma agilidade e leveza de enquadramentos e gruas. O bacanal cinematográfico do século XXI precisa dos seus Busby Berkeley, Gene Kelly, Bob Fosse. Scorsese fez uma flor: foi o primeiro.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.
Singin’ in the Rain precisa de nova coreografia
ensaiada por Michael Arnold. Um tipo paewcido com Gene Kelly dançando nú sob a chuva, tentando esconder as partes com um pequeno guarda-chuvas
cor de rosa.