É nela que deve pensar toda a mulher que hoje pinta as unhas dos pés. Ninguém se dera ao trabalho de se dobrar. Pola Negri dobrou-se, pintou essas unhas térreas e lançou uma moda que persiste.
Se ressuscitasse e entrasse hoje na Book Soup para comprar um livro, quem sabe se Vamps & Tramps, da Camille Paglia ou as Camas Politicamente Incorrectas, da Eugénia de Vasconcellos, havíamos de a ver chegar de botas altas e turbante, coberta de colares de diamantes, broches de pérolas das suas jóias de um milhão de dólares compradas a Habsburgos falidos.
Naquele tempo, Hollywood gostava delas exóticas. Despia-as, enrolava-lhes cobras ao corpo, plantava-lhes palmeiras, Nilos e Babilónias à retaguarda. A Pola Negri vieram buscá-la à Europa. Por duas pan-razões. Era pan-erótica: boca cigana, olhos contra-revolucionários, peito e pernas de um moreno que parecia egípcio. E era pan-exótica: um eco napolitano no nome; fizera filmes com o alemão Lubitsch; dizia-se que o czar de todas as Rússias achava que as mãos polacas dela mereciam ser beijadas se não pudessem ser lambidas.
Hollywood não soube o que fazer com ela. Teve medo de a juntar a Lubitsch, o realizador que, na Alemanha, de Os Olhos da Múmia a Madame DuBarry, lhe arrancara do corpo e dos olhinhos um realismo interpretativo que ia do feio ao belo, do sedutor ao trágico. Juntar os dois era germanismo a mais, logo a seguir a uma Grande Guerra que matara tantos rapazes americanos.
Pagaram-lhe fortunas para fazer filmes em banho-maria e ela teve dinheiro para mandar cantar todos os cegos do mundo. Matou o tempo matando namorados. Primeiro, foi Chaplin. Era a mais trágica a beijar o mais cómico. Estiveram para casar, mas Pola alegou alguma inépcia onde inépcia não entra.
Seguiu-se Rodolfo Valentino. Noite avassaladora, ele só a deitou depois de desfolhar sobre o leito as pétalas de mil rosas. Melhor só o spaghetti que Valentino lhe cozinhava. Mas, prematuro, Valentino morreu-lhe. O funeral dele foi o funeral dela. De comboio, fez a América, costa a costa, ao lado do caixão. Nos apeadeiros onde parava, Pola desmaiava e chorava, chorava e desmaiava. Estavam para casar, clamava. No cemitério, deixou-se fotografar aos gritos, a lançar-se sobre o caixão aberto. Hollywood nunca lhe perdoou o overacting e a carreira dela acabou quando o caixão de Valentino se fechou.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordteo com a antiga ortografia.