Acabei de ler a trilogia Getúlio, de Lira Neto. É uma senhora biografia. Brilhante. Mas, como nada é perfeito, tem um defeito para os leitores mais velhos: o peso de cada volume. Deve ser lido com o leitor sentado, em boa posição, com boa iluminação e apoio para o livro.
Fora esse detalhe, o volume três foi uma viagem no tempo…
Em 1945 eu estava com oito anos incompletos. Lembro vagamente de algumas conversas e discussões em reuniões de família entre getulistas e lacerdistas. E lembro perfeitamente de quando o Dutra fechou os cassinos, assunto que foi largamente debatido pelos mais velhos que gostavam de um joguinho e pelos que eram encantados com os lindos shows e comida de primeira, a bom preço, já que o jogo bancava os custos. É o que diziam…
Também guardei na memória a morte de dona Santinha, mulher do presidente Dutra: foi feriado escolar e as crianças gostaram disso!
Mas a memória mais vívida vem do dia da morte de Getúlio. Voltávamos de São Paulo, de automóvel. Eu estava com 16 anos, ia no banco da frente, ao lado do motorista, o querido e saudoso seu Hermínio que nos serviu durante quase 20 anos, e ouvindo rádio. A mamãe ia no banco de trás, cuidando para que as compras que acabara de fazer no Mercado Municipal de São Paulo não tomassem sol.
De repente, aquele ‘Atenção! Atenção!’ e o locutor anuncia a morte do presidente Vargas. Ficamos os três assustados e a mamãe logo pediu ao seu Hermínio que tocasse o mais rápido que pudesse para a parada na Mantiqueira, pois ela queria falar com o papai.
Lá chegando ela foi para o telefone, as linhas estavam congestionadas, mas por fim acabou por falar com o papai que pediu que ela pusesse o seu Hermínio ao telefone: eram instruções para que ele não passasse pelo centro da cidade e pegasse a Estrada Dona Castorina, o Alto da Boa Vista, a Estrada das Canoas, São Conrado, e finalmente Leblon, que era onde morávamos. Seu Hermínio o achou tenso e preocupado.
Os dias que se seguiram foram de muitas e infindáveis conversas. Como é natural, o choque foi imenso e só se falava nisso. Havia os que choravam ao mencionar o nome do presidente, os que ficavam calados, os que estavam meio sem saber o que dizer depois de tanto tempo de antigetulismo. Mas tudo misturado com a tristeza que permeava pelo Rio de Janeiro.
Por tudo isso minha memória viajou ao ler o livro de Lira Neto.
Nomes, amigos, conhecidos, políticos, jornalistas, jornais, revistas, tudo como se estivesse de novo ao vivo diante de mim. Mas com um detalhe inesperado: a figura de proa no livro, a meu ver, não é o biografado, nem outra a na ser sua filha Alzirinha.
Que maravilhosa relação pai-filha! Como se compreendiam, como se completavam, quanto carinho, quanta afeição! Mulher inteligente, herdeira do DNA político do pai, com uma cabeça privilegiada, Alzirinha troca cartas com o pai que me deixaram com uma imensa vontade que o Lira Neto, ou alguém da família, edite e publique toda a correspondência entre os dois.
Lira Neto destaca os trechos que mais interessam ao desenrolar da vida de Getúlio pós-Catete, até sua volta ao Rio já com o retrato do velho outra vez na parede.
Mas o que eu queria mesmo era ler toda a correspondência entre Pai e Filha. Deve ser uma leitura que faria bem ao nosso espírito e que daria a essa brasileira o lugar que merece: uma grande líder política, uma filha exemplar! Uma brasileira como poucas.
Rio, 11 de setembro de 2014
24 de agosto de 1954, primeira data marcante. Aos 6 anos presenciei em Acarí, morava em um conjunto residencial, do antigo IAPC,bem longe do Leblon, a notícia da morte de Getúlio que saiu da vida para entrar na história. Alzira só agora em 2014 entra para a história resgatada pela biografia, pelo filme e pelo texto acima. As mulheres fazem a história mas tardam a ser reconhecidas. Outras mulheres valorosas e corajosas levarão 40 anos para serem reconhecidas.