A ordem era para que a mudança – exigência de mais de 70% dos eleitores de acordo com pesquisas – desse o tom da convenção do PT que oficializou a candidatura de Dilma Rousseff à reeleição. Mas, embora mudar e suas variantes tenham sido enxertados por 11 vezes no discurso da presidente, o que se viu foi mais do mesmo: o estímulo à beligerância expressa no nós (os bons brasileiros) x eles (o mal em si), e a deselegância nada discreta de Lula, desta vez impondo à sua pupila o constrangimento de continuar sendo criatura quase quatro anos depois de ter sido inventada por ele.
Ao contrário dos xingamentos da massa anônima do Itaquerão que o PT insiste em nominar como orquestração da elite, para a grosseria de Lula não há desagravo possível. Ainda que convivam em harmonia, como destacou Lula, Dilma, a “coisa criada” – segundo o dicionário Aurélio -, foi agredida pelo criador, e para tal não há conserto.
As propostas de mudança estariam no que batizaram de Plano de Transformação Nacional, apresentado no discurso de Dilma. Nele requenta-se a convocação de plebiscito para uma Assembleia Constituinte exclusiva sobre a reforma política e um projeto de “Banda Larga para todos”, promessa não cumprida da campanha de 2010. Preconiza-se ainda a redução da burocracia, algo que não caminhou um único milímetro na última década, e um novo modelo federativo, um dos motes da campanha do adversário tucano Aécio Neves.
O PT também não conseguiu acenar com mudanças na tática de enfrentamento eleitoral. Repetiu o incentivo à cultura do ódio, desta vez disfarçada em pregação de paz.
Depois de taxar os opositores “de direita hostil e truculenta” e de atribuir todos os males do Brasil ao oligopólio da mídia, que “golpeia, falseia, manipula, distorce, censura e suprime fatos”, Rui Falcão, presidente do partido, deu um basta a qualquer discordância ao projeto petista: “Os que no passado se voltaram contra a abolição da escravatura, o voto do analfabeto, o salário-mínimo e o 13º salário têm a mesma posição de classe dos que, no presente, condenam o Bolsa Família, resistem às quotas para negros e investem contra o Mais Médicos.”
Como crer nas palavras finais da candidata Dilma – “não deixemos o ódio prosperar em nossas almas” – se o PT prega que quem não está com o PT é o capeta encarnado, acusado até de escravagista?
Dilma cumpriu à risca o papel a ela reservado. Como quem vive em uma realidade paralela, falou da estabilidade econômica, do crescimento do País, inexistentes, e até de bom humor, comportamento com o qual ela não tem intimidade. Obediente, ela mostrou que nada vai mudar: está disposta a ser, mais uma vez, a criatura.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 22/6/2014.
Teremos que engulir a Dilma, ou o Aécio?
Pois é, Zaidan… escravagistas ou não, eis a questão.
“A escravidão não é uma opressão ou constrangimento que se limite aos pontos em que ela é visível; ela espraia-se por toda parte; ela está onde vós estais; em nossas ruas, em nossas casas, no ar que respiramos, na criança que nasce, na planta que brota do chão.” – Joaquim Nabuco
Tenho em mim alguma habilidade para a abstração, o que me leva a proferir besteiras ou afirmações excelentes. O escravagismo está, em minha visão, mesmo em diálogos pessoais, no desfile de um carro-zero por um playboy qualquer etc.
Em sentido antropológico, um carro de R$ 100 mil pode ser equiparado a uma antiga carruagem de um latifundiário; um alto cargo, quando ocupado por um latino medíocre, é antropologicamente semelhante a um título de nobreza, quando tal ser é estimulado a dizer aquele velho mantra:
– Cê sabe cum quem tá falando?
CONCLUSÃO: indivíduos contrários a avanços sociais para negros e outros grupos são, em sentido psicossocial, escravistas – não no patrimônio, mas na atitude cotidiana.