Suportes físicos: o cerco se fecha

Hoje eu vi, com estes olhos que a terra há de comer depois de virar cinza, a Compact Blue começar a fechar sua última porta.

Frequentei muita loja de disco na vida. Tive a sorte até de entrar em lojas de disco distantes, em outras terras, outros mares.

Sou o contrário de Mary, minha mulher, que tem asinhas nos pés, e adora viajar. Ao contrário de Mary e de Georges Moustaki, que adoram viajar, tenho presa aos pés, como os prisioneiros das canções folk, a long chain atada a uma grande bola negra, balls and chains. Mas, como sou uma pessoa de muita sorte, passeei por lojas de disco em San Francisco, Nova York, Toronto, Londres, Paris, Buenos Aires, Santiago do Chile, Montevidéu.

Quando, no início dos anos 70, já era um frequentador assíduo da Breno Rossi, da Bruno Blois e do Museu do Disco no velho Centro Novo de São Paulo, fiz uma viagem à Belo Horizonte da minha infância e início de adolescência, e, já que estava lá, fui a uma loja de discos, e comprei lá diversos LPs. A loja se chamava Caixa de Música. A vida é feita de coincidências – ou não –, e então, uns 15 anos depois, quando conheci Mary, fiquei sabendo que ela havia frequentado, e demais, a Caixa de Música, que era do então namorado dela.

Era uma bela loja, a Caixa de Música.

zzfisico4São belas, as boas lojas de discos.

But of all these friends and lovers, tenho especial carinho por duas: a Pop’s e a Compact Blue.

Faz tempo que abandonei a Pop’s, que, para mim, é a melhor loja de discos de todas as que conheci na vida. A vida fez com que a Pop’s ficasse um tanto fora de mão para mim. Não que ela tenha mudado: ela continua lá, onde sempre esteve, na Teodoro, 763, entre Cristiano Viana e Alves Guimarães – exatamente o caminho que eu fazia todos os dias, quando minha filha era criancinha, entre pegá-la na Fralda, a escolinha, e a casa dela. Por uma dessas fantásticas coincidências da vida, Suely, a mãe de minha filha, viria a morar durante um tempo no prédio que fica em cima da galeria em que está a Pop’s.

Mas hoje a Teodoro ficou um tanto fora de mão pra mim, e faz talvez uns dois anos que não piso na Pop’s. Talvez a Regina e o Ademir tenham ser esquecido de mim.

A loja que Regina e Ademir têm na Teodoro é mínima. Que tamanho teria, tem? Acho que não mais de uns três metros por dois – fora a parte de cima, o escritório, que jamais conheci, onde o Ademir cuida do controle do estoque.

zzfisico3O segredo do Ademir é o controle do estoque. No seu espaço mínimo, a Pop’s sempre teve um exemplar de cada disco que de alguma importância. Ele nunca comprou mais exemplares do que deveria. E sempre tinha de tudo.

O segundo segredo do Ademir e da Regina é a organização. Tudo, na Pop’s, é organizadíssimo. Os discos estão nas prateleiras por gênero, e, dentro de cada gênero, estão todos em rigorosíssima ordem alfabética.

Nego entra na Pop’s e fuça o que quer, e acha o que quer, com a maior facilidade.

***

A Compact Blue sempre foi o exato contrário da Pop’s. Em tudo por tudo.

A primeira loja da Compact Blue que conheci foi na Luís Coelho, entre Augusta e Frei Caneca. Pequetita, do tamanho da Pop’s – mas com uma variedade de discos que nem a Virgin da Champs Elisées tinha, com seus vários andares.

Depois ela se mudou para o quarteirão de cima da Augusta, quase chegando na Paulista. Ocupou uma loja imensa no segundo andar de um shoppingzinho. Foi lá que conheci o Joel, o dono. Comprei um monte de suportes físicos ali. E, ao perceber que ele importava o que o freguês queria, fiz encomendas.

zzfisico2Em meados de 1976, eu queria porque queria a caixa de CDs que reunia os discos gravados pela Joan Baez na então A&M. Joan Baez: The Complete A&M Recordings. Tinha pedido ao meu cunhado Márcio que comprasse o objeto numa viagem que faria a Miami; ele me contou que foi a algumas lojas, e apresentou o nome do disco. Nenhuma tinha. Numa das lojas, o vendedor perguntou para ele quem era Joan Baez.

Joel importou a preciosidade para mim.

Aí fiquei sabendo da caixa da Columbia Records com a obra completa de Simon & Garfunkel, recém-lançada lá. Encomendei ao Joel. Recebi algumas semanas depois.

Então o Joel fechou a loja imensa, e abriu uma menor, mas ainda assim fantástica, numa galeria da Augusta uma quadra abaixo do Espaço Nacional depois Unibanco agora Itaú de Cinema.

Jamais consegui entender a ordem em que a quantidade absurda de CDs e DVDs eram dispostos na loja da Compact Blue. Era tudo uma gigantesca zorra. Não tenho idéia de como ele conseguia achar no meio daquela confusão o disco ou o filme que o freguês queria. Mas ele achava.

E então fui lá hoje à procura do novo-velho Dylan, o Another Self Portrait (1969-1971).

E o que vi foi uma casa no meio de mudança.

– “Você vai fechar???”, perguntei.

Sim, ele vai fechar. Não dá mais para pagar o aluguel da loja.

Vai permanecer no negócio – até porque tem milhares e milhares e milhares de CDs e DVDs em acervo. Mas vai vender via internet.

zzzzfosseVai vender suporte físico no mundo virtual.

***

Puta que pariu!

***

Dei uma olhada na linda, maravilhosa exposição de suportes físicos que a Compact Blue fazia. Fiz até umas fotos, com o velho iPhone que herdei de Mary quando ela comprou um modelo mais moderno.

Vi um DVD de que jamais havia ouvido falar, Fosse – um show em homenagem ao diretor e coreógrafo genial. Vi um CD de Keith Jarrett com Gary Peacock e Jack DeJohnette, The Out-of-Towners. Perguntei ao Joel se não seria incômodo ele pegar aqueles suportes físicos para mim no meio da confusão da mudança.

Fiz minha última compra de suporte físico na Compact Blue física.

Me sinto um dinossauro extinto há muito tempo.

25/10/2013

Ah, sim: os endereços. 

http://www.popsdiscos.com.br/

cbaugusta@ig.com.br

4 Comentários para “Suportes físicos: o cerco se fecha”

  1. O texto me trouxe uma nostálgica sensação. Se vão as lojas de discos, de CDs. fecham-se as salas de cinema.
    Novas lojas abrem e fecham no interior dos shopings sem qualquer cerimõnia, sem festas, sem missas ou enterros.É o mercado dinâmico, impessoal e virtual
    Compartilho da mesma sensação dinossaurica!

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