Palavras, gestos e atos

A palavra “estadista” nunca foi tão usada e abusada quanto nesta semana em que o mundo parou para lembrar, dançar, chorar e enterrar Nelson Mandela.

E a civilização do espetáculo, em que a cultura foi substituída pelo culto ao entretenimento, para simplificar a tese do Nobel Vargas Llosa, teve alguns momentos de culminância: o show Obama-Michelle-Cameron na sessão “selfie” com a loira dinamarquesa; o aperto de mão de Obama e o ditador cubano Raul Castro; o engodo universal do falso intérprete de sinais para deficientes auditivos, com seu irônico espetáculo cheio de gestos e vazio de conteúdo.

A presidente Dilma também reservou para si um cantinho do palco. Escalada para ser um dos oradores oficiais das exéquias, contribuiu para o espetáculo não só com seu modorrento discurso, mas também com seu vôo ecumênico, onde incluiu como passageiros todos os ex-presidentes vivos do País — entre os quais um que foi obrigado a renunciar para não sofrer impeachment por corrupção.

Se Obama levou os Bush pai e filho, Clinton e Carter, por que Dilma não podia dar a sua lição de tolerância carregando seus antecessores, mesmo aqueles que, segundo declarações que deu num seminário antes da viagem, contribuíram para “aumentar as desigualdades do país”, que ela pretende extinguir?

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Um gesto espontâneo de grandeza. Tão espontâneo que foi cantado em prosa e verso pela máquina de propaganda do Planalto e alardeada pela própria presidente em seu twitter oficial, como lição de convivência democrática. Uma convivência mercadologicamente conveniente.

Enquanto o tamanho de Mandela ficava em discussão, com a grande maioria convergindo para a tese do estadista, alguns intolerantes preferiam classificá-lo como “terrorista”, como se a luta contra a infâmia do apartheid pudesse ser comparada à delicadeza e arte de uma competição de florete.

O colunista Thomas L. Friedan, do The New York Times, escreveu sobre a “reserva moral” que Mandela acumulou ao longo de sua vida. E cita como exemplo singelo uma cena do filme Invictus, de Clint Eastwood, onde o presidente sul-africano (interpretado por Morgan Freeman) se manifesta contra a mudança das cores da seleção nacional de rúgbi, que durante anos foram símbolo da suposta supremacia branca. “Isto não serve à nação. Temos de surpreendê-los (referindo-se aos brancos) com moderação e grandiosidade”.

“Há muitas grandes lições nessa cena curta” – escreveu Friedan. “A primeira é que uma maneira de os líderes criarem autoridade moral é estarem dispostos a desafiar as suas próprias bases, às vezes – e não somente o outro lado. É fácil liderar dizendo à sua própria base o que ela quer ouvir. É fácil liderar quando se está dando coisas. É fácil liderar quando as coisas vão bem. No entanto, é realmente complicado conseguir que sua sociedade faça algo grande e difícil”.

Tão complicado quanto juntar palavras, gestos e atos num mesmo significado.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 13/12/2013. 

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