Depois dizem que ouviram a voz dos brasileiros que, entoando hinos ao Brasil, clamaram contra a situação do cotidiano de todos. Queremos melhor saúde, melhor educação e transporte, mais segurança. Na Rocinha disseram que o que necessitam é esgoto e tratamento e não teleférico para turista. Uma maravilha: a água podre escorrendo pelos pés descalços das crianças e aquela modernidade sobre as cabeças indignadas.
Alguém nas ruas falou em reforma política? Pois foi isso que os ouvidos interesseiros, querem ficar livres dessa manifestação incontrolável, dizem ter escutado. A música das praças é uma, a deles, sem ritmo e harmonia, é outra.
Alguém viu algum cartaz pedindo plebiscito? O marqueteiro julgou ter tirado da cartola a solução mágica. Mas o Cartola de que gostamos é o dos sambas imortais.
Constituinte exclusiva é coisa de gente distraída, que não percebe o valor maior da Constituição, ou simplesmente de candidatos a ditadores. A Constituição, diz o mestre Carlos Ayres Britto, não é de cometer suicídio. Ela aceita emendas, mas não em todo o seu corpo. Mesmo assim com quórum qualificado.
Não se brinca com a Constituição do País.
As questões já foram postas pela população, quem deve respondê-las são os governantes de todos os níveis. E as respostas têm de ser práticas, com poucas palavras e muita ação. Para começar, porque não investir o necessário para construir metrôs nas grandes cidades, cuidar de todo tipo de transporte público nelas, em vez de proclamar a insanidade de inventar um trem-bala inútil que irá consumir, ao que se sabe até agora, cerca de R$ 50 bilhões? O que não se faria de bom para a maioria com o dinheiro que pretendem gastar nesse projeto faraônico, digno dos militares do tempo da ditadura?
Padrão Fifa para tudo. Educação decente para todos, com escolas bem equipadas e professores remunerados com dignidade. Hospitais de primeira, com todos os requisitos indispensáveis para que os médicos ofereçam o tratamento que todos nós merecemos. Mais segurança, para que nós e a nossa família possamos exercer o sagrado direito civil de ir e vir pelas ruas das cidades. Muito saneamento básico, para que os meninos e os adultos da periferia de todas as cidades não convivam diariamente com o risco de adquirir doenças que já deveriam ter sido extintas de nosso mapa. Esgoto tratado, água limpa. E menos estradas assassinas pela inação e desinteresse do poder público, que só viaja de jato ou helicóptero.
O povo, todo ele, trabalha e merece ser feliz. O mandato que ele dá aos governos é para que se faça o possível para isso. Mas não venham com perguntas e plebiscitos fora de hora ou para enganar. Respondam ao que foi e continuará sendo exigido nas ruas. Chega de manipulação.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em julho de 2013.
O PROBLEMA DO BRASIL É QUE O PAÍS É FEITO DE MENTIRAS E MENTIROSOS.
Leio Fernando Brant nestas paragens. Seus textos aqui compilados publicados originalmente no “Estado de Minas” são sempre cheios de verdades retiradas do cotidiano mineiro e dos amigos de clubes de esquina, tudo espressado com marcante poesia.
Meu entusiasmo e admiração não diminuíram com o texto acima, apesar de discordar do Fernando quanto a defesa do nosso texto constitucional e a crítica quanto a ideia de uma assembléia constituinte exclusiva.
A nossa carta magna desde 1988 tornou-se uma colcha de retalhos, com 73 emendas. Uma constituição chamada de cidadã mas que nunca atendeu plenamente os anseios dos cidadãos.
A ideia de constituinte exclusiva veio inoportunamente pela cabeça e mãos da presidenta mas não lhe retira o mérito de estender aos cidadãos consultas por meio de plebiscitos e referendos previstos na constituição mas nunca utilizados.
O povo falou nas ruas e avenidas, deu o recado, que o respeito a constituição vigente.
O comentário de José Gusmão me encorajou a respeitosamente discordar de Fernando Brant no que se refere a Constituinte Exclusiva. Não podemos deixar de apoiar uma boa ideia apenas por ter vindo através de adversários políticos. Nossa constituição vigente desde 1988 foi elaborada pura assembléia não exclusiva, sem o apoio popular, atendendo aos interesses corporativos e recepcionando leis de forma demagógica, conquistas históricas que, astutamente se transformaram nas tais conquistas da cidadania.
Nosso país, a partir do império teve diversas constituições, 1824,1891,1934,1937,1946,1967 e 1988 escritas umas por representantes totalitários, outras por representantes eleitos, nunca pelo povo.
Plebiscito,constituinte exclusiva e referendo popular são anseios populares não expressos nas recentes manifestações, mas não se trata de manipulação, como diz Gusmão o problema do Brasil é que o país é feito de mentiras e mentirosos. Dilma pode ser manipuladora mas não falou mentira, precisamos de reformas feitas por poder exclusivo e constituído pelo povo.
Me valho do poeta Carlos Ayres Brito:
“Manifestações são grandes e intuitivas demais para uma apreensão racional
Por cortar o tecido social quase de uma extremidade à outra, a ampla mobilização popular a que se assiste hoje no Brasil rechaça categorizações clássicas, não é passível de enquadramento em modelos analíticos genéricos. A não filiação a movimentos pregressos e a esquiva ao aparelhamento a inserem na ordem do mistério.
São grandes demais, surpreendentes demais, entusiasmados demais, abertos demais, espalhados demais, intuitivos e instigantes demais para que deles se possa dizer algo que ultrapasse o mero comentário, formular entendimento que vá além da simples e precária opinião subjetiva, sem outro calço que não seja o corriqueiro “data vênia de entendimento contrário”.
Eles não guardam a memória de qualquer movimento anterior de massa, e por isso é que chegam às vias públicas assim como quem tritura farelos de estrelas nas mãos consteladas.
Não portam consigo o mais leve ranço de pauta corporativa, mas, ao contrário, apresentam-se como uma agenda propositiva para o Brasil (Marina Silva é quem o diz) e, quiçá, para uma nova e mais humanizada concepção de mundo”.
2014, constituinte exclusiva, plebiscito, referendo.
MARINAS NELES!