Ter 120 anos não é sexy. Se estivesse viva, Mae West festejaria hoje (17 de agosto) esse aniversário. Temo que a ideia de ser sex-symbol aos 120 a encantasse.
Nascida em Queens, criada em Brooklyn, rosto demasiado redondo e corpo pesadamente rectangular, o certo é que Mae West se converteu num sex-symbol. Em seda, arminho, outras peles e pose obscena, desse físico, que estava contra ela, fez um íman para virilidades incandescentes.
Começou cedo no teatro. Mais cedo tivesse começado, mais cedo teria ido parar à prisão. Em 1927, estreou Sex em Nova Iorque, acabando condenada a 10 dias de prisão por atentado à moral. Ui, foi uma penosa reclusão. Fez uma exigência: usar sempre roupa interior de seda. O director do estabelecimento, compreensivo e com inclinações artísticas, levou-a ao cinema todos os dias, menos dois, os que, por bom comportamento, já não cumpriu.
Hollywood deixou-se levar pelo odor a controvérsia e convidou-a para o cinema com a improvável idade de 38 anos. Talvez nenhum dos poucos filmes dela seja obra-prima. Mas com She Done Him Wrong e I’m no Angel firmou uma reputação. E ouçam-na, é que bastaria a inesquecível voz.
Estou a ser um unhas-de-fome, porque há quem veja nela outros fulgurantes valores: os caracóis louros, o olhar malicioso, o corpo que talvez seja muito menos rectangular do que eu disse e mais próximo do reclinado conforto duma “chaise-longue”. O reclinado conforto é preguiça minha, a “chaise longue” é preguiça do ensaísta David Thomson.
A mim bastar-me-iam as coisas que disse e a rouca maneira como as disse. Cito três das suas mais famosas réplicas: “Tens uma pistola no bolso ou estás apenas contente por me voltar a ver?” , frase dela que o olhar discreto e baixo confirmava em She Done Him Wrong, parece ter sido o que, na vida real, disse ao polícia que, em L.A., a foi escoltar no regresso duma viagem. A polícia de L.A. dever-lhe-á para sempre um palmo de auto-estima.
Intraduzível, digo eu por timidez, é o que ela sugere a Cary Grant, no primeiro filme que fizeram juntos: “Come up and see me some time.” Será que um “levanta-te daí e anda cá ver-me um bom bocado” lhe faz justiça em língua portuguesa? Em inglês, americano ou português, ouvi-la dizer, com voz de blues e bagaço, “Quando sou boa, sou muito boa, mas quando sou má, sou muito melhor” acende uma labareda de volúpia em I’m No Angel.
Estas réplicas, ditas como ela as disse, deram pela primeira vez espessura à palavra libido, até aí uma palavrinha técnica e sem sal. Constrangida, Hollywood inventou o divertido e proibitivo Código Hays, que determinava o que se “podia” e o que “não se podia” fazer, fingir que se fazia ou dizer. Inveterada optimista, Mae West reagiu bem: “Acredito na Censura. Fiz uma fortuna à conta dela.”
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia
Muita gente fez escola.Adoram serem censuradas. Dá celebridade,faz fortuna, torna-se inesquecível mesmo após 120 anos.
Aida bem que a morte nos protege de tentativas de sexy simbol com tal idade.
A beleza e malícioa de Marylin e May West ficaram gravadas nas peliculas e na memória erótica do Manuel.
Miltinho, para um Matusalém, uma Mae West de 120 anos seria pouco mais do que uma teenager…
Menos caro Manuel, nossa mente é de 20 enquanto corpos enrrugam e envelhecem.
Está o cinema a provar nossa juventude.