Pela primeira vez pisarei no palco da casa do amigo e lá ele não estará. A vida nos deu a pessoa extraordinária, o amigo de todas as horas, o amigo de todos, e de repente, traiçoeiramente, nos levou a figura amada.
Nos últimos anos ele foi minha referência em Brasília, o nosso JK dos bares. Inovador, o orgulhoso autor do retrocesso modernizante, definição dele para o seu Mercado Municipal. Era chegar e ligar para ele, que abria os braços e as casas para me receber carinhosamente, em volta de bacalhau Gradus Morhua e vinhos dignos das conversas da amizade. Nunca ia à capital do país sem avisá-lo.
Às vezes não nos encontrávamos, mas ele me atendia de Cruzilha, de uma praia brasileira ou da Espanha ou Portugal. Era tempo de descansar com sua Denise, amor nascido na juventude e amadurecido a cada dia em que conviviam.
Um teste para o coração e para a emoção essa empreitada que eu, Tavinho Moura e Mariana Brant vamos encarar nesta quarta-feira à noite. Estou com disposição para ser forte e cantar e versejar as graças da vida, com alma e o pensamento ligado no Jorge, aquele mar de generosidade que sempre nos encantou. Sei que olharei em volta e só verei amigos dele e nossos e a esses eu peço paciência conosco e solidariedade.
Não teremos a generosa apresentação em que ele nos elevava aos píncaros da glória. Mas o Feitiço Mineiro, apesar da tristeza, segue teimosamente na sua tarefa de divertir e levar cultura musical à cidade. Assim, vozes e violão romperão o silêncio e seguirão o roteiro cuidadosamente elaborado. Canções mineiras e brasileiras que, certamente, contarão com o coro da plateia. Desfilaremos as canções que fomos criando ao longo dos anos. Cantaremos pois mais que nunca é preciso cantar como nos ensinou Vinícius, mesmo que seja Quarta-Feira de Cinzas ou que haja saudade em nossos corações.
E teremos canções inéditas de Tavinho e a voz encantada de Mariana. Lembraremos, cantando, o inesquecível Veveco, mais um amigo que o destino nos roubou. E a Chaleira do Alto Poeira, a gente que vem de Lisboa, a febre do ouro, o encontro das águas, os dois rios e a festa dos bailes da vida.
Poesia é meu pão e a vida meu juiz , eu repetirei para aquelas paredes acostumadas a nos ouvir. Certamente eu falarei uma suíte mineira, em homenagem a ele, um desbravador. Cujo nome significa agricultor. Um homem que plantou e semeou as várias formas de uma vida digna. Criou família, criou amizades, criou trabalho e bares. Um agregador, um solidário, que de repente se descobriu letrista e poeta. Um entusiasmado, um realizador.
Ao final, nós três no palco descobriremos que tudo será como Deus e a platéia quiserem.
Este artigo foi originalmente publicado no Estado de Minas, em outubro de 2013.
Julgo a homenagem justa e merecida. O homenageador sabe o que diz e como dize-o.
O Jorge era dono de alguns dos principais bares aqui de Brasília, entre eles o Feitiço Mineiro, onde costumam se apresentar os integrantes do famoso Clube da Esquina e outros astros da MPB. Pra você ver que Brasília não é só política, Miltinho.
Salve Jorge! Luiz Carlos grato por esclarecer que foi (é) o Jorge.