Não deu no Globo, nem no Estadão, mas saiu na Tribuna de Santos: “Corretora é morta a facadas por vizinho após queixas de barulho”.
Iara Maria Matana, corretora de imóveis, tinha 56 anos, morava em Pitangueiras, Guarujá. Andou reclamando do vizinho de cima, Gianluca Girolano, garotão de 20 anos, que jogou como lateral-esquerdo de um time da terceira divisão de Santa Catarina.
Parece que, na verdade, Gianluca não era o vizinho de cima de Iara: era o namorado da moradora do apartamento. Estava lá há vários dias, semanas. Fazia muito barulho, arrastava móveis à noite, batia na namorada.
Na terça-feira agora, 6 de agosto, o garotão de 20 anos subiu até o apartamento de Iara e a assassinou com três golpes de faca no pescoço.
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Acontecem no Brasil cerca de 50 mil homicídios por ano – “o equivalente, no mesmo período, ao número de mortos na guerra civil da Síria, a mais selvagem em curso no mundo de hoje”.
O assassinato de Iara, um dos 50 mil que acontecem a cada ano no país, me tocou porque, de uma forma, foi próximo de mim.
Meu amigo Anélio Barreto me ligou para contar. Queria falar para as pessoas próximas dele, desabafar. Tinha ficado sabendo do crime hoje. Conhecia Iara, gostava dela; Iara era a corretora que havia mostrado para ele apartamentos em Pitangueiras. Ele havia apresentado Iara a Sandro, a Elói, que também compraram apartamentos em Pitangueiras através dela.
Anélio gostava dela, a considerava uma amiga. Viam-se com alguma frequência, já que ele frequenta um bar bem perto da casa dela.
Notícias de crimes a gente vê todos os dias, nos jornais, na TV, na internet.
Mas a gente só sente alguma coisa quando, de alguma maneira, tem a ver com a gente.
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Pelo que li na internet e Anélio ouviu dos vizinhos, foi assim:
Iara reclamou algumas vezes do barulho. Como ouvia as brigas do casal, e, pelos ruídos, percebia que o rapaz espancava a moça, falou com ele para parar com aquilo. “Trate melhor sua mulher”, ela teria dito.
O garotão Gianluca se irritou. Então foi ao apartamento dela e deu as três facadas no pescoço.
Pegou o celular da vítima.
A única filha de Iara, Bárbara, mandou mensagens para o telefone da mãe. O assassino respondeu. Intrigada com a quantidade de erros de português das mensagens, que a mãe não cometeria, Bárbara ligou para o zelador do prédio. Ele foi até lá, e encontrou Iara morta.
A Polícia chegou a Gianluca bem rapidamente. Ele confessou o crime, foi preso em flagrante.
Pelo que as pessoas falam na vizinhança, o assassino estuprou a vítima.
Diz a Tribuna de Santos: “Ainda conforme a polícia, a vítima foi encontrada nua, com catchup e óleo nas partes íntimas. O indiciado negou ter abusado sexualmente da vizinha, mas serão feitos exames para constatar se houve estupro. Os laudos devem ficar prontos em 15 dias.”
Segundo a Tribuna, o assassino afirmou: “Não fui eu que fiz essas coisas, foi a cocaína. Eu sou uma pessoa boa de coração”.
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Por uma dessas coincidências de que é feita a vida, hoje mesmo um amigo havia me perguntado se os assassinos de Antônio Valério foram presos, ou não. E a verdade é que não me lembro.
Antônio Valério foi morto com um tiro no estacionamento de uma lanchonete na Joaquim Floriano, no Itaim Bibi, por tentar apartar uma briga. Antônio era então o marido de Regina Lemos, minha ex-mulher.
Não sei se o sujeito que matou Antônio porque ele tentou apartar uma briga chegou a ser condenado.
Se tiver sido condenado, hoje passeia feliz em liberdade.
Se por acaso vir um sujeito que queira apartar uma briga, poderá, com toda a liberdade do mundo, matar de novo.
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O garotão que matou a amiga do meu amigo Anélio diz que quem matou não foi ele – foi a cocaína.
Se vier a ser julgado, com toda certeza sairá livre. Ou com uma condenação mínima. Tem 20 anos. Quando tiver aí uns 24, estará soltinho, pronto para matar quem se incomodar com o barulho que faz.
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Por outra dessas coincidências da vida, a corretora Iara foi assassinada na mesma semana em que J. R. Guzzo publicou na revista Veja um texto duro, forte, em que afirma no Brasil “o crime violento se torna a dada dia uma atividade mais segura para quem o pratica”, e que o Supremo Tribunal Federal e a Justiça como um todo fazem “um esforço geral, há anos, para criar um país sem castigo”.
Transcrevo um trecho do artigo:
“No Brasil é permitido matar à vontade, pois para que a lei penal seja perfeitamente cumprida, como exigem os magistrados, será indispensável deixar sem punição quem matou. Está na moda, hoje em dia, chamar essa aberração de ‘garantismo’ – doutrina que se propõe a garantir à defesa virtualmente qualquer desculpa legal que invente para salvar o réu. Na verdade, é apenas outra palavra para dizer ‘impunidade’.
“Soma-se a isso o entendimento, cada vez mais aceito em nosso mundo jurídico e político, de que a ideia da responsabilidade individual, em pleno vigor em qualquer país civilizado, se tornou obsoleta no Brasil. Aqui, segundo nossos magistrados e legisladores, o indivíduo não deve ser considerado responsável por seus atos. Quando mata, rouba ou sequestra, a culpa não é realmente dele. É da pobreza em que nasceu, da família que não o apoiou, da publicidade que estimula o consumo de coisas que não pode comprar, dos traumas que sofreu, das boas escolas que não teve, dos empregos mal pagos, das vítimas que possuem dinheiro ou objetos desejados por ele, do alto preço dos jeans, tênis e iPhones – enfim, de tudo e de todos, menos dele. E os milhões de brasileiros que têm origens e condições de vida exatamente iguais, mas jamais cometem crime algum – seriam anormais? Não há resposta para observações como essa.”
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Os apressados, os levianos, os que transformam qualquer assunto em Fla x Flu, nós versus eles, diriam que J. R. Guzzo é um reacionário, um direitista.
As coisas são muito mais complexas do que isso.
Não estou – e tenho a certeza de que J. R. Guzzo também não – defendendo pena de morte, olho por olho dente por dente. Estou defendendo que deve haver punição para os criminosos. Justiça.
Tudo isso que o jornalista escreveu é a mais pura expressão da verdade: no Brasil há uma cultura que defende os criminosos – as vítimas que se danem.
Que o digam o garotão Gianluca Girolano, os assassinos de Antônio Valério, o assassino do cartunista Glauco, o jornalista Pimenta Neves, e tantos e tantos outros.
8 de agosto de 2013
O Sandro Vaia questiona em seu artigo texto:
Crise narrativa ou tempos interessantes?
Porque Folha e Estadão não noticiaram o assassinato da corretora Iara Maria Maratana seria crise de narrativa?
JRGuzzo e SérgioVaz não defendem a pena de morte explicitamente, seriam os tais tempos interessantes onde melhor é ser politicamente correto?
Qual o castigo para os criminosos, de todos os tipos.
O assassino de Glauco pode ir para casa, decide Justiça de Goiás.Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, o Cadu, 27, assassino confesso do cartunista Glauco Vilas Boas e do filho dele, pode sair da clínica psiquiátrica e voltar para casa de seus pais.
Quatro pessoas da mesma família mortas em uma chacina na Brasilândia, zona norte de São Paulo, na segunda-feira (5). O filho do casal de PMs, Marcelo Eduardo Bovo Pesseghini, 13, é o principal suspeito do crime. Ele também foi encontrado morto na casa da família. A população não acredita que o menino seja o
assassino.
Cadê o Amarildo?
As narrativas em crise misturam polícia,assassinos,loucos, psicopatas,juízes,jornalistas,ora como vítimas, ora como assassinos. Formação de quadrilha vira cartel. Narrativas em crise em tempos interessantes.
SergioVaz cheio de razão: “Mas a gente só sente alguma coisa quando, de alguma maneira, tem a ver com a gente”.