O índio subiu na árvore e lá ficou por vinte e sete horas. De lá foi retirado pelos bombeiros. Não sei se ele cantou a marchinha “daqui não saio, daqui ninguém me tira”, mas não teve jeito e seu protesto esfumou-se sem cachimbo da paz.
Eu também já fui de trepar, é assim que se dizia, em árvores. As minhas preferidas, e da turma de amigos de infância, eram os fícus que esverdeavam a Avenida do Contorno. Ficávamos ali horas conversando. Uns matavam aulas, outros apenas esperavam a hora da próxima pelada.
A bola é o primeiro e melhor brinquedo de todo menino. Fico vendo o Lucas e sua paixão por ela. Com dois anos e meio chuta com precisão e potência e a conduz com uma habilidade que crianças maiores não têm. Falando a verdade, tem adulto que é tão jeito que tropeça a todo momento diante do objeto sagrado.
Voltando às árvores, na escolinha de minhas meninas, no Balão, já se vai um bom tempo, as crianças que conseguiam se instalar, por contra própria, no alto da mangueira, adquiriam um status especial, eram mais respeitadas, se tornavam líderes. A escola foi derrubada e se transformou em estacionamento, mas a mangueira continuou lá, e todo ex-aluno que passa pelo lugar descasca seus primeiros sentimentos de saudade.
A árvore, a bola, a água. Nascemos prontos para amar os três. As árvores ficaram mais difíceis de serem escaladas. As ruas da cidade não permitem mais esse tipo de brincadeira e os quintais sumiram com suas frutas domésticas. Por onde andam as jabuticabeiras, goiabeiras, laranjeiras e manguezais? O progresso comeu.
A água continua à disposição em chuveiros, banhos de mangueira e todos se divertem com os jatos de felicidade que ela nos traz. Gritos de alegria explodem, sorrisos se abrem, enquanto o corpo é lavado para ficar pronto para novas estripulias.
Mas a campeã, a insuperável, é a bola. O menino, quando vê a bola, é dono do mundo. Seus olhos ganham beleza e energia, a humanidade ri quando se dá esse encontro. A bola rola entre os seus pés a caminho do campo de terra ou grama e agora não é um, são vários os meninos enfeitiçados pelo brinquedo de couro, borracha ou meia.
Tudo que é redondo pode ser considerado bola no espaço dos meninos. O fascínio de todos cria o ambiente mais democrático que se conhece. Os preconceitos e as diferenças não existem, todos são iguais e solidários no drible, no passe e no gol.
Foi bela e estranha a imagem do índio escondido entre as folhas, em frente ao Maracanã. A autoridade tirou-o de lá e os repórteres não transmitiram com exatidão o que ele realmente pensou dessa intervenção estatal. Índios, com suas culturas tão diferentes da nossa, passam a impressão de pureza. E nos lembram nossos meninos, encantados pelas coisas naturais e simples da vida, como árvores, água e, principalmente, bola.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em dezembro de 2013.
Texto viBrant. O progresso comeu o meu pé de jamelão, acabaram-se os banhos de borracha no quintal a as peladsa nas ruas de paralelepípedos.
Parabens, belissimo trabalho!
Eu entro muito em sala, dando treinamento, e tem muita informação Bacana para eu trazer mais relevancia ao meu trabalho.
Muito Obrigado!
Abraços