Uma Europa edénica, lúbrica

Olho para a nossa Europa, a Europa da férula Mer­kel e sai-me a impro­vá­vel lem­brança de Marilyn, da nua foto do calen­dá­rio. Desem­pre­gada, quando Marilyn fez a foto não tinha fama nem car­reira, só mesmo a sua enxuta nudez. Pri­meiro, recu­sou. Temia que, se Hollywood lhe visse a tri­an­gu­lar ino­cên­cia, nunca mais a con­tra­tasse. O fotó­grafo convenceu-a, jurando-lhe que nin­guém sabe­ria que era ela. Marilyn despiu-se como mais nin­guém se vol­tará a des­pir e foto­gra­fou. Ao ver o resul­tado, ela pró­pria teve um rebate pes­so­ano e achou que era outra.

Dois peque­ni­nos papéis de amante nés­cia e terna, pri­meiro em Asphalt Jun­gle, depois em All About Eve, e caíram-lhe em cima vól­tios de fama. A famosa foto­gra­fia apa­re­ceu e mesmo quem nunca a tivesse visto nua logo a reco­nhe­ce­ria de tão este­lar, boreal. Mas não houve nenhum dis­curso mor­tal. A nudez fluída de Marilyn foi a feliz e inex­pug­ná­vel for­ta­leza que ama­men­tou o mito. Ou de como o desem­prego de Marilyn foi uma oportunidade.

Fale­mos então da Europa. Há quem alu­cine um pro­feta nos dois ampe­res do pre­si­dente Hol­lande. Lamento, mas ao con­trá­rio de Marilyn, a França per­deu uma opor­tu­ni­dade. Pior ainda, a Europa per­deu a grande opor­tu­ni­dade. E não pen­sem que digo isto para ir a cor­rer lam­ber as der­ro­ta­das botas de Sar­kozy. Bateu-me forte a nos­tal­gia da his­tó­ria alter­na­tiva. Sou um nos­tál­gico do que pode­ria ter sido. Ima­gi­nem que Domi­ni­que Strauss-Kahn fosse hoje pre­si­dente. Com DSK uma enxur­rada eró­tica avas­sa­la­ria a Europa.

Da L’Age d’Or, obra-prima de suc­ção que as rubras men­tes de Buñuel e Dali assi­na­ram no cinema mudo, até ao Último Tango em Paris de Ber­to­lucci, a Europa sem­pre soube dar nome, bom nome, ao escan­da­loso e orgâ­nico enigma do amor.

Pode­ría­mos ter ero­ti­zado a nossa vida polí­tica. Com DSK uma outra ten­são, tal­vez um êxtase, aflo­rasse as cimei­ras com a pre­si­dente Mer­kel. Com DSK sim, pode­ría­mos falar de cres­ci­mento sus­ten­tado. O pequeno cres­ci­mento que ale­gra um lar, que traz às famí­lias o des­li­zante leni­tivo para o seco pro­blema da habi­ta­ção. Com DSK, a Europa libertar-se-ia e, ciente das suas tra­di­ções artís­ti­cas, ofe­re­ce­ria à exi­gên­cia da sua elite a Belle de Jour que Cathe­rine Deneuve foi para o sur­re­a­lista Buñuel. Para con­sumo popu­lar de shop­ping, have­ria Emma­nu­el­les edé­ni­cas, lúbri­cas. Em linha com a voca­ção cos­mo­po­lita do Pre­si­dente, não seria des­ca­bido exportá-la: há na libe­ra­li­dade de Emma­nu­elle uma aber­tura ao exó­tico, um desejo turís­tico do outro.

Um cinema que foi, em Ecs­tasy, filme checo de 33, o pri­meiro a des­ve­lar o túr­gido seio de Heddy Lamarr, um cinema que teve o cali­pí­gio esplen­dor da Bar­dot e que bei­jou com a boca de Loren e Car­di­nale, mere­cia outros estí­mu­los orça­men­tais, um con­tá­gio finan­ceiro que furasse a mais puri­tana bolha.

Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.

msfonseca@netcabo.pt

Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia

 

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