E se a Pátria desmaiasse? Proponho que Portugal inteiro desmaie. Imagine-se o ensurdecedor estrondo do tombo de dez milhões de inanimados portugueses.
Não me digam que só desfalece quem é uma flor. Talvez na ficção o desmaio seja sinal de romântica debilidade feminina. Mas há uma tradição de sólidos imbondeiros políticos a estatelar-se com fragor. O presidente Bush, e refiro-me ao pai para usar um bom exemplo. Texano temperado a ouro negro, tronco largo que nessa manhã usara gloriosamente para jogar ténis contra o imperador Akihito. E à noite, no jantar em casa do primeiro ministro do Império do Sol, Bush pai soçobrou aos pés de 135 convidados. Ainda hoje, o jubilado Bush é recordado com estima no país. A economia japonesa arrastava-se, mais fininha do que sushi transparente, e a rasteira queda de Bush foi vista como um humilde reconhecimento do terreno.
Outra lenda, Fidel de Castro. Dir-se-ia um imortal. Um maratonista da palavra: ar livre e era capaz de amarrar uma multidão por quatro, seis horas, ao seu caudaloso talento de demagogo. Ninguém arredava pé. E em Junho de 2001, no meio de uma hora de arroubo verbal e metáforas jesuíticas, Fidel tombou no prosaico e varrido chão da pátria socialista.
Aconteceu a Cavaco Silva, a meu ver – e nenhum cinéfilo me desmentirá – um rijo Jack Palance da presidência. Discursava Mário Soares dando posse a Guterres e na sala dos Embaixadores do Palácio da Ajuda levantou-se um calor socialista que fez desabar a alta, elegante silhueta de Boliqueime. Foi uma queda graciosa, amparada por um solícito bloco central. Prenúncio, dirão agora os mais proféticos, dos anos que estavam para vir.
Desde o mudo que o cinema desmaia. Antecipando a síncope da EDP e da REN, Lilian Gish era um lírio e desfalecia nos braços de um poético chinês em Broken Blossoms. Como Gish, Portugal anseia por mais desmaios exóticos.
Ou então, talvez Portugal deva pintar os lábios como Marylin quando foi à morgue reconhecer um cadáver, em Niagara e perdeu os sentidos. É provável que nos chamem à pedra fria para reconhecermos o défice, o PIB exangue debaixo da branca simplicidade de um lençol. Também nós perderemos os sentidos e era bom termos nos lábios o vibrante baton vermelho de Marylin para um derradeiro beijo.
Ia falar de Fay Wray e de King Kong. Mas é injusto comparar a Troika ao gorila que por amor destrói Nova Iorque. Se falarmos de amor, falemos de Keira Knightely e de como ela se livra dum pretendente indesejável. Keira desmaia do alto das ameias para o mar nas costas do pinga-amor e cai num mar de piratas, promessa de sonho e aventura. O pretendente olha e Keira já não está lá: é o desmaio como estratégia de fuga. Nas costas da Troika, dez milhões de portugueses desmaiam sonhando com um mar de tesouros e Caraíbas.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
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Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia