Seu Villas, Seu Sardenberg, Seu Graciliano e as palavras

Vejo nos jornais de hoje que Alberto Villas, jornalista de primeira, está para lançar o Pequeno Dicionário da Língua Morta. Segundo notinha da coluna do Ancelmo Gois no Globo, o livro “trará palavras hilárias e curiosas que caíram em desuso, como… ‘xumbrega’, cuja origem remonta a 1600 e que significa ‘coisa ruim, feia, mal-acabada’”.

Eu, pessoalmente, não sabia que xumbrega tinha caído em desuso.

De fato, é uma palavra hilária, curiosa, e certamente pouco conhecida pela moçadinha mais nova, especialmente os mais novos preguiçosos, cujo vocabulário não vai além de 50 palavras. Mas não é uma palavra morta.

Villas, autor, entre outros, do fascinante Afinal, o que viemos fazer em Paris?, tem um texto gostoso, saboroso, bem-humorado. Tenho certeza de que não criou seu dicionário para condenar palavras à morte, e sim para brincar com a riqueza da Flor do Lácio inculta e bela.

Condenar palavras à morte seria quase tão ofensivo quanto condenar pessoas à morte.

A língua é viva, cresce, ganha novos vocábulos – mas o bom dela é exatamente isso, ser sempre jovem, estar sempre aprendendo novas coisas. Desaprender palavras antigas é empobrecedor.

O lançamento do Pequeno Dicionário está prometido para março. Serei um dos primeiros a comprar. Sei que vou me deliciar com a pesquisa de Villas, e me lembrar, a partir dela, de outras palavras deliciosas como xumbrega, roscofe, o escambau, para usá-las sempre que puder.

Também hoje vejo na Economia do Estadão o artigo de Carlos Alberto Sardenberg intitulado “Os dólares do ‘seu’ Jacques”. Ao longo do texto, aparece várias vezes o “seu” Jacques. Sardenberg é outro jornalista de primeira, que leio sempre, religiosamente – até porque (não apenas, mas até porque) ele é extremamente útil para minhas compilações semanais de “Más Notícias do País de Dilma”. Acho que não há uma, entre as 40 compilações de más notícias do país de Dilma que fiz desde o início de 2011, que não traga ao menos uma bela análise de Sardenberg.

Mas me chocaram as aspas enfeando a palavra seu.

Por que raios tantas pessoas botam aspas na palavra seu?

Há quem escreva seo, assim, com um ó que a palavra nunca teve – e ainda bota aspas. “Seo” Chico, “Seo” Clariberto.

É ridículo, isso, esse “Seo”. Mas é tão ridículo quanto “Seu”.

Por acaso se usam aspas quando se escreve Sr. Chico, Sr. Clariberto?

Por que não escrever “Os dólares do Seu Jacques”, ou então “Os dólares do seu Jacques”?

O uso de caixa alta ou baixa aí é facultativo. Até onde sei, não há regra que defina que se deva escrever Sr. ou sr., nem Seu ou seu.

O que não pode é botar aspas. É uma palavra perfeitamente normal. Está em qualquer dicionário.

Tá lá no Aurélio, por exemplo.

Seu. (De senhor.) S. m. 1. Equivale ao axiônimo senhor (Sr.), vindo claro o nome da pessoa, ou a outro axiônimo, ou palavra designativa de profissão, etc. “Seu Acrísio, jogador e quase cego,  … tenteava degraus e portas com o cajado.” (Graciliano Ramos, Infância, p. 51); (,,,)

Então, se está nos dicionários, se é uma palavra absolutamente normal da língua, se Mestre Graça, entre outros escritores, a usava com a maior propriedade, por que raios botar aspas nela?

Como diz o samba de Paulinho: “Seu diretor de bateria, aquilo que eu disser, não leve a mal”.

Alô, Seu Revisor, alô, Seu Sardenberg…

Epa: não existe mais revisor nos jornais. Mataram a profissão. Então vamos lá:

Alô, Seu Fechador, alô, Seu Sardenberg, aspas na palavra seu é xumbrega e roscofe, tá?

27 de fevereiro de 2012

6 Comentários para “Seu Villas, Seu Sardenberg, Seu Graciliano e as palavras”

  1. Li o link sugerido pela Priscila. Diz exatamente o contrário, mas não fundamenta. O texto remete apenas a uma opinião. Fico com o Aurélio, que traz o verbete como substantivo masculino e como pronome.

  2. É interessante sua afirmação de que seo tem um o que ó que a palavra nunca teve. Seo é uma corruptela. Quando eu era garoto, o povo que vinha da roça ou os menos letrados da cidade diziam sior em vez de senhor. Alguns diziam: “sim, sor”. Não é possível, na variação da palavra sior, a pronúncia seo?
    Outra coisa: Guimarães Rosa (1908-1967), em Primeiras Histórias, se refere a um personagem do conto “O Cavalo que Bebia Cerveja” tratando-o por “Seo Giovânio”, e a outro, chama-o de “Seo Priscílio”.

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