O trem supersônico

Êta trem bão. Desde que trocou Arraialzinho por Belo Horizonte, Marquinho sempre deu um jeito de se dar bem. Agora havia voltado para, como disse, “assumir a prefeitura”. Cada vez que um morador falava “Êta trem bão”, repetia o slogan da campanha do candidato.

O mais importante não era o slogan, mas o trem referido. “Vamos trazer para Arraialzinho o trem supersônico” – disse Marquinho no Bar da Esquina, onde foi tomar uma pinguinha demagogia assim que chegou. Antes que tivesse experimentado um torresminho, a notícia tomara a cidadezinha.

No palanque, explicou melhor. O trem supersônico cobriria os 200 quilômetros da capital para lá “no tempo de um susto”. Na mesma velocidade, traria o progresso, as indústrias, os shopping centers. Como primeiro resultado, fez chegar aos lares arraialzinhenses um frêmito de júbilo.

No dia seguinte, seu Dirceu abriu as portas de sua casa para receber o candidato e os moradores mais denodados. Seu Dirceu era considerado patrimônio vivo da cidade, com titulo de cidadão e tudo. Nada mais justo, se fora ele o maquinista que, saindo destas paragens, conduzira trens por todo o Estado.

O café saído do coador ainda estava sendo servido, quando seu Dirceu adotou uma expressão solene. Disse:

– Voltarei à lida como maquinista desse maravilhoso trem, e assim encerrarei com maior glória minha carreira.

Marquinho quase abre a boca para dizer que um velho maquinista de Maria Fumaça não ia dar conta de um supersônico, mas se deu conta do absurdo desse pensamento. Fez uma mesura: “Será uma honra”. Palmas eclodiram e uma lágrima escorreu pelo rosto de dona Lúcia, a esposa.

Não eram sete horas, na manhã seguinte, uma fila começou a se formar à porta da casa de Marquinho. Estavam ali homens e mulheres, de toda idade. Candidatos a um emprego de limpador do trem, cozinheiro, ajudante, comissária, fiscal de bordo, auxiliar de foguista.

Quando a fila dobrava o quarteirão da igreja matriz, Marquinho mandou sua mãe dissuadir os enfileirados. De nada adiantou. Chamou então o tio João, pessoa de forte ascendência sobre os moradores. Nada; a fila crescia. Por fim, Marquinho pôs a cara. Foi ovacionado.

Começou um discurso.

– Meu povo, o trem supersônico não precisa de nada disso que vocês… É muito rápido. A pessoa sentou e já está na hora de levantar…

– Uai, então pra que que serve um trem desses? – disse uma mulher. – Não dá nem para ver a paisagem.

Outra se indignou:

– Minha mãe foi ferromoça num trem de São Paulo e não vai ficar sem o emprego.

A oposição aproveitou para o revide. Aquele não era um trem de verdade, era um avião sem asa. Uma ofensa para Minas Gerais. E prometeu uma linha de Maria Fumaça, em que as pessoas podiam andar pelo corredor do trem, olhar o verde das montanhas e, nas paradas, comprar cocada oferecida pela janela.

– E o melhor – disse o Zezinho Moura, candidato da oposição – é que vai precisar de muita gente para tocar esse trem, vai dar muito emprego.

O desastre da campanha de Marquinho repercutiu na vizinha Enluarada. Zé Fuinha, candidato a reeeleição, recolheu rapidamente a promessa de trazer o ônibus supersônico.

Outubro de 2012

 

 

Um comentário para “O trem supersônico”

  1. Simplesmente D-E-L-I-C-I-O-S-0!!!!!!!!
    AMEI.
    Isto sim é fazer política. Quanta sabedoria! Pena Sérgio que 63% do eleitorado, os tais “imbecis úteis”, não possam ler e entender a maravilhosa mensagem de Valdir Sanches.

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